Conciliação ? uma ameaça
Aspirante a candidato do PSDB à Presidência da República, o governador mineiro Aécio Neves tornou público, pela revista Veja, que percorrerá o país apresentando-se …
Aspirante a candidato do PSDB à Presidência da República, o governador mineiro Aécio Neves tornou público, pela revista Veja, que percorrerá o país apresentando-se como conciliador. Pretende, com esse posicionamento, contrapor-se simultaneamente a José Serra, seu adversário na briga tucana pela candidatura, e a Dilma Rousseff, preferida de Lula, reconhecidos como personagens de perfil agressivo, belicoso mesmo.
Pelo menos nove de cada dez marqueteiros devem estar babando para assessorar Aécio. Eles adoram essa conversa de conciliação, união e similares. Costumam alegar, em síntese, que o povo cansou de brigas políticas e que a maioria tende a escolher candidatos dispostos ao entendimento, ao diálogo, à conciliação? Não há provas cabais do predomínio dessa tendência, mas os marqueteiros a propagam quase ao ponto de torná-la incontestável.
Como os políticos tendem a apropriar-se do vocabulário para submetê-lo aos seus interesses circunstanciais, é prudente saber sempre no que é mesmo que estão falando. No caso de Aécio, a conciliação significaria suspender ou eliminar o confronto mantido pelo PSDB e o PT há mais de 20 anos, substituindo-o por uma convivência harmoniosa a serviço, digamos, dos interesses do Brasil. Resumo da ópera: adeus, oposição.
Na prática, esse posicionamento de Aécio sinaliza a intenção de alargar o nível das coalizões que conhecemos nos governos de Fernando Henrique e de Lula. A diferença essencial é que o PT e seus satélites ficaram fora do balaio de gatos formado nos governos de Fernando Henrique, enquanto o PSDB e seus satélites ficaram fora da Babel que Lula formou.
A verdade é que conciliação se tornou uma espécie de caminho de o à promiscuidade política traduzida pelo loteamento de cargos e de fatias de poder, a pretexto de garantir a governabilidade, mas com o objetivo não declarado de eliminar ou neutralizar a oposição. Comportamentos e discursos conciliadores só têm servido, de fato, para acomodar interesses pessoais, políticos e partidários, que pouco ou nada têm a ver com a capacidade de operação do governo e muito menos com as necessidades da população e do país.
De alguns meses para cá, defensores de amplas alianças eleitorais, coalizões políticas e governos de conciliação têm citado o modelo de Lula como bom exemplo. É uma referência sempre equivocada e, não raramente, oportunista e cínica. Porque o modelo de coalizão exaltado agora é basicamente o mesmo que muitos dos atuais defensores de alianças, coalizões, entendimentos e conciliação condenaram à época do "escândalo do mensalão". E quando a coalizão condenável vira coalizão elogiável sem que sua essência tenha mudado, é sinal de que mudou o dono ou porta-voz da avaliação - ou de que mudaram seus interesses.
País adentro, as eleições de 2008 foram fartas em tentativas de reproduzir, nos municípios, coalizões amplas, assemelhadas às alianças federais dos últimos 14 anos. Em alguns casos, os resultados eleitorais foram positivos. E o que se assistiu em novembro e dezembro foi a multiplicação de espetáculos vergonhosos de brigas e rateios de cargos. Em quatro anos saberemos o que resultou, para as populações, de governos compostos assim. Na maioria dos casos, os antecedentes são desanimadores.