Como fazer sucesso escrevendo
Se em Hollywood há apenas meia-dúzia de roteiros básicos e infinitas variações, no universo dos colunistas a situação é semelhante. Para fazer sucesso é …
Se em Hollywood há apenas meia-dúzia de roteiros básicos e infinitas variações, no universo dos colunistas a situação é semelhante. Para fazer sucesso é necessário seguir uma entre poucas receitas. É como escolher que roupa vestir para agradar a determinado público. O domínio do idioma e alguma intimidade com as palavras ajudam, mas não são essenciais. O êxito está na escolha do modelo adequado. Alguns órios são bem-vindos. Fundamental é decidir a quem se quer impressionar, e de quem o julgamento não nos importa. Se você está interessado em ser um colunista de sucesso, aí vai o cardápio:
O politicamente correto
Defende sempre os interesses das minorias, ainda que sejam maiorias. Adora expressões como "afrodescendente", "comunidade" ou "melhor idade". Briga pelos direitos das crianças, das mulheres e dos animais, não necessariamente nesta ordem. Fica do lado de quem quer andar com o cãozinho até no cinema, lança praga sobre quem fuma, bebe, não malha ou grita com os filhos. É a favor de todos os programas sociais e acha que o baixo clero deve tocar o dedo na cara dos patrões que, se reagirem, serão processados ou linchados. Amante da natureza, não dormirá bem até que todos os animais de rua ganhem um teto e cinco refeições por dia. É contra o Bush, votou pelo "sim" no referendo do desarmamento, vibra com a prisão de ricos, só ouve músicas que expressem o sentimento das ruas e defende o presidente Lula, embora não saiba mais o que dizer em relação ao PT.
O politicamente incorreto
Faz questão de atacar a suposta esquerda, os sindicatos e os programas sociais. Defende os interesses dos patrões e os direitos dos ricos. Para ele, comunidade continua sendo favela e Maluf e Zé Dirceu merecem uma segunda chance, assim mesmo, colocando os dois nas mesmas condições, para revolta do companheiro do parágrafo acima. Acha que está na hora de as pessoas cuidarem mais dos filhos e menos dos cachorros, que dizer yoga com "ô" em vez de "ó" é coisa de veado e, sim, votou no não.
O maldito
Inimigo figadal da mídia, adora palavras como "imaginário", "imagético" ou "midiático". Questiona todas as formas de poder, os poderosos, o capitalismo, todos os partidos, odeia a esquerda e a direita, os patrões, os formadores de opinião, a CUT, o MST e a CBF. Aliás, não perde os jogos de seu time, mas sempre consciente do uso do futebol como instrumento de manipulação das massas e etc. Odeia empresários, menos os que o acolhem com a segurança de um contracheque. A mídia tradicional o enoja, e costuma deixar isto bem claro em seu espaço num tradicional veículo nojento. Considera-se o último baluarte da opinião, o único resquício de um jornalismo contestador capaz de mudar o mundo, se não fosse tão solitário em sua cruzada contra a grande imprensa e o poder manipulador do dinheiro. Costuma ser bem pago para odiar o dinheiro.
O que só diz o que as pessoas querem ouvir
Tipo infalível para fazer sucesso, só escreve sobre temas acerca dos quais não paire qualquer dúvida. Foge da polêmica, exceto quando há uma clara posição da maioria. Descreve os amores, temores e alegrias do cidadão comum, aliás, adora o termo cidadão comum. Para ele, a pieguice é uma arte. "Se ser piegas é ser humano, romântico, solidário, então sou piegas", costuma afirmar, com toda a pieguice que a frase exige. Trata-se do modelo predileto dos patrões da mídia, porque levam o leitor a se identificar com suas idéias. Escreve sempre pensando em como se identificar mais. Suas verdadeiras idéias, caso tenha alguma, não importam. Ao final de cada texto, o leitor suspira e pensa: "Incrível como ele é bom, pensa exatamente como eu". Seus livros são best-sellers garantidos.
O falso polemista
Parente próximo do tipo acima, tenta renegar as origens levantando falsas polêmicas. Nenhuma, digamos, capaz de causar polêmica. Costuma bancar o zangado diante das indignidades da espécie.
O sensível enquanto pessoa
Este só trata de temas como família, amor, solidariedade, relacionamentos, criação dos filhos, carinho com os animais. Confessa falar com as plantas, chora de saudade, emociona-se com facilidade e tem o coração eternamente partido. Tem em comum com "o que só diz o que as pessoas querem ouvir" a frase sobre a pieguice, com leves alterações. Choca-se com a frieza do mundo diante do sofrimento alheio e arranca lágrimas dos leitores depois de despejar as suas próprias sobre o teclado.
Escolha seu tipo e seja um sucesso.