Como eu nunca falei para uma mulher
Somente os poetas conquistaram o e autoridade para traduzir as sutilezas da alma humana e suas abstrações. (Freud também, mas não com as mesmas …
Somente os poetas conquistaram o e autoridade para traduzir as sutilezas da alma humana e suas abstrações. (Freud também, mas não com as mesmas comoções e graça). Só a poesia tem o poder de girar e abrir estas substâncias. Justo por que a palavra poética traz o clarão da surpresa, da descoberta, e revela com espanto a permanência de algo que se manteve oculto por tanto tempo, sendo óbvio e tão explícito. (Caetano Veloso, poeta dos poetas).
Se eu tivesse o talento de Pablo Neruda (não tenho), se tivesse os meios e a forma, gostaria de dizer à todas as mulheres com as quais tive algum vínculo, seja qual for que tenha sido, o quanto eu, incabível e absurdo, só queria ter razão, enquanto vocês queriam ser felizes. Gostaria de dizer a elas de todo o leite derramado, do ruído improdutivo que fiz, do pensamento competitivo que engendrei, versus os amores que deixei ar ao largo, cálidos de consentimentos.
Diria (morto de vergonha) o quanto estive coberto de ridículo quando, inconfesso, me julgava superior, na crença de que ser homem bastaria. Superior em que? E para quê?
A coragem masculina (no confronto dos sexos), a mesma que antes matava leão, nada mais é do que uma reação desproporcional ao medo diante do encantamento e de um possível abandono. Mulher observa antes de agir, é provável que sim. Homem luta por princípio, e depois vai ver o que foi que ele fez, para o bem ou para o mal. Não que todas as ações femininas sejam, por assim dizer, de doação incontestável, de amor incondicional como a maternidade. Mas todas as mulheres são mães dos seus filhos, só isto já faz uma enorme diferença. Homens que têm filhos, nem sempre são pais.
Talvez seja este o enorme abismo que separa as mulheres dos homens que, a despeito da velocidade com que dominaram a mais avançada, das mais avançadas das tecnologias (sic), poucos foram preparados para serem homens, tendo sido criados e educados, de um modo geral, para continuar sendo filhos quando a noite cai.
E quando a noite cai, se não existe luz própria (como uma autoiluminação), só mesmo a presença feminina para acalmar os seus sentidos, povoar os seus desertos e iluminar o breu das almas. É a sarna do pensamento masculino, o vício do raciocínio e a intermitência dos sentimentos que nos faz assim, tão sedentos de vinho e da generosidade feminina. Não por acaso, corações de mães e o nome da mulher amada estão tatuados na pele dos marinheiros, dos encarcerados e dos loucos de solidão.
Não falo de amor, comum da natureza humana. Até onde avanço, tateando no escuro, falo de uma outra dimensão que pressinto na índole feminina. Só mesmo sendo mulher para conduzir a brutalidade da energia masculina para uma paz construtiva. Em sociedades de absoluto mando machista, em que as mulheres são anuladas por dogmas religiosos enraizados e doentios, em vez da enorme contribuição científica de autoria feminina, (além da profissional em todos os segmentos), em vez do relevante e silencioso papel social e solidário que elas realizam, em vez do zelo com os vínculos e da preservação dos ninhos, em vez dos banhos de essências que elas tanto gostam, o que mais se vê é loucura coletiva e banhos de sangue.