Civilização ou barbárie

Sou um praiano tardio. Dificilmente vou para a beira da praia antes do meio-dia. Embromação pura. Durante muitos anos, veraneei em Atlântida na casa …

Sou um praiano tardio. Dificilmente vou para a beira da praia antes do meio-dia. Embromação pura.


Durante muitos anos, veraneei em Atlântida na casa dos meus pais. Distante da praia, ia sempre a pé. Muitas vezes tive o privilégio de ter como companheiro nestas caminhadas um senhor que era um ícone para mim: o seu Arthur Dallegrave. Nestas caminhadas o assunto era nossa grande paixão, o Internacional. Eu, um simples torcedor; ele, artífice de um dos melhores times colorados de todos os tempos. Contava-me as histórias das contratações do Benitez e do Marinho, das renovações do Figueroa, fofocas de vestiário e, às vezes, algumas de alcova. O tema era sempre o Inter de um ado recente, onde ele fora dirigente.


Elegante, o Seu Arthur cativava na conversa, no trato com as pessoas, na simplicidade.


Com minha mudança em Atlântida para mais longe da praia, perdi a oportunidade daquelas conversas, mas continuei a encontrá-lo.


Há cerca de quatro meses, lá no Santo Antônio, conversamos mais uma vez. Após tratarmos acerca do grande dilema colorado de 2008 -como um time tão bom não consegue encaminhar resultado? -, fiz algo que em várias outras ocasiões pensei em fazer e não fiz por certo constrangimento. Disse a ele: Seu Arthur, gostaria de agradecer ao senhor, por uma importante parte da alegria da minha adolescência!


Ele ficou em silêncio, mas percebi que ficara tocado com a reminiscência. Acho que fez bem para ele.


Esta foi nossa última conversa, pois desde terça ele está no céu, ao lado de São Pedro, que certamente é colorado também, vibrando com as vitórias do Inter e, com fidalguia, secando o Grêmio.


Seu Arthur subiu na mesma semana em que uma briga entre torcedores do Grêmio resultou em dois jovens gravemente feridos com arma de fogo. Ao que tudo indica, o conflito transcende qualquer rusga esportiva, tendo origem no flagelo do preconceito racial.


Uma tragédia que impacta na vida dos jovens, suas famílias e no orgulho dos gaúchos.


Ainda na mesma semana, tresloucados torcedores do Internacional brindaram os moradores do bairro Moinhos de Vento com um quarto de hora de rojões no meio da madrugada, sem importar-se se havia crianças dormindo, pessoas de idade enfermas ou, simplesmente, cidadãos que queriam dormir. Não! O mais importante era tentar perturbar o sono dos jogadores da equipe mexicana que enfrentaria o Inter no dia seguinte. E eu ainda me refiro a este caras como torcedores?


Volto ao Seu Arthur.


Um dos primeiros sinais de sentimento acerca de sua morte partiu do Grêmio, o que demonstra a grandeza dos homens que dirigem o clube. Esportivamente, ele foi um algoz: além de ter o talento para forjar equipes vencedoras, era um flautista inveterado. Debochava com charme, o que certamente devia incomodar os torcedores tricolores.Mas o respeito e o afeto falaram mais alto: o desportista de primeira linha recebeu a homenagem maior dos adversários, que se comportaram como tal, mas não como inimigos.


Os fatos acima denotam que no nosso tecido social há gens para tudo: para a mais desbragada selvageria ou para a mais terna das atitudes.


A civilização e a barbárie estão diante de nós e, principalmente das autoridades. Cabe decidir o caminho a seguir.


Não sei o que deve ser feito; no entanto, tenho absoluta certeza, que nosso destino a pela leniência ou dureza com que forem tratados os marginais que se escondem na multidão para todo tipo de atitude torpe. A solução a por educação, mas, de imediato, por ações da segurança pública, Ministério Público e Judiciário.  

Autor
André Arnt, diretor da Coletiva EAC, é de empresas, consultor e professor universitário. Coordenou cursos de pós-graduação nas áreas de negócios e marketing. Atua como consultor em estratégia empresarial. É colaborador da Coletiva.net.

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