Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Que tem carnaval em fevereiro e um homem maravilhoso chamado Chico Buarque de Hollanda, cantor, compositor, dramaturgo e escritor, que completa 79 anos no dia 19 de junho. Pois Chico foi o vencedor, em 2019, da 31ª edição do Prêmio Luís Vaz de Camões de Literatura, considerado o principal da Língua Portuguesa nesta categoria. Mas o então presidente, sabendo das preferências políticas do filho do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e da pintora e pianista Maria Amélia Alvim, negou-se a o prêmio. 1a201x
Um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira finalmente, após quatro anos, recebeu o prêmio na última segunda-feira (24), em cerimônia que teve a presença do presidente Lula e do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. Na entrega, realizada no Palácio Queluz, em Lisboa, uma grande arbitrariedade foi reparada. A demora na entrega do prêmio, mais do que merecido, em parte pelo confinamento imposto pela pandemia, mas principalmente pela intransigência de Jair Bolsonaro, corrigiu uma injustiça a um dos nomes mais unânimes do Brasil, independente de ideologias.
Como prova de que é um ser superior e pouco vaidoso, Chico afirmou em seu discurso: "recebo esse prêmio menos como uma honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos quatro anos de estupidez e obscurantismo", referindo-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro a o ataque à cultura, em todas as suas expressões durante a sua gestão. E, agradeceu o ex-presidente a rara fineza de não sujar o diploma do seu prêmio ao negar-se a .
Quem, em plena consciência, é capaz de ignorar a importância de Chico Buarque para a história e construção da MPB? Ele tem uma discografia de mais de 80 discos, parcerias importantes com Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Milton Nascimento, Francis Hime e Edu Lobo. Especialista em composições em que retrata com perfeição o lado feminino nas relações sentimentais e músicas que se eternizaram nas vozes de Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia e Fafá de Belém. E autor de obras teatrais como 'Roda Vida', 'Calabar' e 'Ópera do Malandro'.
Mas já que o prêmio trata de literatura, vamos citar alguns livros do homem dos olhos de cor ardósia: 'Estorvo', 'Benjamim', 'Budapeste', 'Leite Derramado', 'O Irmão Alemão' e 'Essa Gente' (o mais recente). Como alguém pode não reconhecer o papel do Chico na cultura brasileira e portuguesa? Difícil entender, exceto pela birra política de Chico sempre ter se manifestado um apoiador de Lula.
Você que me lê pode pensar que estou exagerando e alegar: é uma apaixonada confessa de Chico Buarque (jamais neguei) e uma eleitora devotada de Lula (nunca escondi isso). Só que negar um prêmio internacional, como o Camões, é no mínimo falta de diplomacia. Para ficar apenas numa classificação mais amena de desrespeito com outro país. Posso estar enganada e me cobrem no futuro se isso acontecer. Mas duvido que o presidente Lula se negue a entregar qualquer prêmio se o detentor de tal honraria for simpático a um adversário político.
Eu emocionada, olhando o Chico Buarque receber o prêmio, ouvindo seu discurso e vendo tanta humildade e educação na cerimônia em Portugal, só posso dizer: muito obrigada. Pela paz derradeira que enfim veio nos redimir, por nos deixar voltar a respirar em solo lusitano, pela concessão para sorrir, por existir, Deus lhe pague Chico Buarque.