Casos de um marciano

Upa, upa, upaCavalinho alazãoê ê êNão erre de caminho não(Ary Barroso, 1940) Há anos vou à enfermaria do Clube medir a pressão. Meses atrás, …


Upa, upa, upa
Cavalinho alazão
ê ê ê
Não erre de caminho não
(Ary Barroso, 1940)


Há anos vou à enfermaria do Clube medir a pressão. Meses atrás, ela foi mudada para um local na agem do antigo. Agora já ei muitas vezes pelo novo local e tive que voltar para medir a pressão. Na última vez, lembrei-me de um episódio que se tornou hilário.


Bernardo Lorena Filho, Odécio Vicente de Faria e eu somos amigos desde o 1º ano primário (esse trio encontrou-se em São Paulo em novembro ado). A família do Bernardo possuía um sítio em Indaiatuba, município hoje englobado na chamada Grande Campinas e com quase 200 mil habitantes.  Na época em que estávamos na segunda ou terceira série do ginásio, não eram mais que 10 mil, sendo que a cidade mesmo era pouco mais que uma aldeia. Fomos Bernardo e eu ar parte das férias naquele sítio que possuía um único cavalo. Certa manhã, o amigo perguntou-me se queria ir à cidade a cavalo, pois emprestaria outro do sitiante vizinho. Fomos. Mal chegados à primeira rua da entrada da cidade, o cavalo começou a parar defronte a algumas casas e não respondia ao meu comando. Lá pela quarta ou quinta parada do animal, dei meia-volta e retornei para a estrada, com o Bernardo rindo muito. O motivo, antes de chegar ao sítio, a gente já descobrira, mesmo sem saber detalhes.


O cavalo, depois de muitos anos de carroça, fora aposentado de sua parceria com o leiteiro.


Viva Pavlov e a sua descoberta do reflexo condicionado!


Assisti a Roma, de Fellini, em Roma mesmo, pouco depois do seu lançamento, em 1972. Quando fui vê-lo novamente, no Rio, percebi que haviam cortado uma bela parte quase no final do filme, um desfile de trajes eclesiásticos, humorístico, mas jamais desrespeitoso para com a Igreja. Censores imbecis amputaram a obra de Fellini!!! Já escrevi que burro só come paté de fois gras quando acaba o capim. É o caso desses imbecis. Na Roma daquela época, na Via Veneto principalmente, os turistas eram abordados por corretores de prostituição que distribuíam cartões dos "inferninhos". Como viajei sozinho, não escapei de diversas abordagens.  Na madrugada em que eu saía de uma sessão da meia-noite daquele filme, ainda envolvido por um imenso encantamento, fui abordado por um daqueles cafetões que logo perguntou qual a minha nacionalidade.


- Io? Io so marciano.


Certa manhã, no corredor do clube onde resido, levei um tombo e fui imediatamente levantado por vizinhos amigos:


- Machucou-se, Mario?


- Brasileiro que não aprendeu a cair não chega à minha idade.


Quando nasci, a moeda brasileira era o real, cujo plural também é réis e assim se falava. Decreto de 1942 mudou nossa moeda para o cruzeiro e daí  foi mudando, até o real de hoje, para cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro, cruzeiro (sem centavos), cruzado, cruzado novo e cruzeiro. Sempre por um único motivo: inflação.


Fernando Collor - o "caçador de marajás" -, em 1990, foi empossado como presidente, colocou Zélia Cardoso de Melo como ministra de Fazenda e lançaram o Plano Collor, um fantástico confisco monetário, responsável por uma total confusão econômica e até por muitos suicídios. O caos monetário, assim mesmo, não conseguiu ser maior que o do seu antecessor, José Sarney, quando, de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990, a inflação chegou a 2.751%. Em março de 1990, último mês do governo Sarney, a inflação alcançou 81%. Em termos médio e básico de aritmética, quem dormia com 100 cruzados novos (a moeda da temporada) acordava com um poder de compra reduzido para 55 cruzados novos e alguns centésimos a mais. Antes, com a responsabilidade do ministro Dilson Funaro, em fevereiro de 1986, foi lançado o Plano Cruzado, com congelamento de preços, um dos pontos mais vulneráveis do Plano, pois chegou a hora que ninguém queria produzir com o preço congelado, às vezes, até inferior ao custo. Desde alimentos até veículos, a demanda do consumo era muito maior que a oferta. A polícia foi para o campo, laçar boi (!!!), pois a carne de vaca sumira do mercado. Caso curioso e inédito foi que um automóvel usado, mas não velho, custava mais que um 0 km vendido pelas fábricas. Um economista norte- americano, recém-chegado ao Brasil, sugeriu a grande saída para a índústria automobilística:


- Fabriquem só carros usados.


Inté.

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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