Cartilha anárquica
Minha mãe não gosta do Joelmir Beting. Acha que ele tem “cara de debochado” e que não leva a sério os assuntos de que …
Minha mãe não gosta do Joelmir Beting. Acha que ele tem "cara de debochado" e que não leva a sério os assuntos de que trata no Jornal da Band. Várias vezes eu disse a ela que Joelmir é ótimo jornalista e que é útil prestar atenção nas informações, análises e comentários dele. Ainda não a convenci.
Ao contrário de minha mãe, muitas pessoas confiam em Joelmir. O Grupo Bandeirantes sabe disso. E costuma fazer de Joelmir o porta-voz das posições que lhe interessa transmitir no Jornal da Band, o principal noticiário da rede. É ele quem apresenta os editoriais, ou seja, os textos que expressam as opiniões do Grupo Bandeirantes - concorde ou não com elas.
Na edição de 15 de abril, quarta-feira da semana ada, coube a Joelmir a apresentação de um editorial de conteúdo raro. No texto, o Grupo Bandeirantes declarava apoio à desobediência a uma lei federal, pelos produtores rurais, legisladores e o governo de Santa Catarina.
A convergência de interesses do Grupo Bandeirantes e do pessoal do agrobusiness é conhecida há muito tempo. Mas não lembro de que alguma outra vez tenha se traduzido em estímulo escancarado à ilegalidade, em solidariedade para afrontar a lei.
O resumo do caso é o seguinte: a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, sob pressão dos produtores rurais e ao fim de dois anos de debate, aprovou neste mês um projeto de Código Estadual Ambiental que, sancionado pelo governo do Estado e vigente desde sexta-feira, contraria o Código Florestal Nacional. Como a legislação de cada estado pode complementar, mas não pode se contrapor à legislação federal, parece evidente a inconstitucionalidade do código catarinense que atende, entre outros interesses dos ruralistas, ao de reduzir de 30 metros para até 5 metros a faixa de mata que tem que ser preservada para proteger as margens de nascentes e rios.
O Grupo Bandeirantes é uma organização empresarial que tem todo o direito de defender e apoiar produtores rurais - e exerce esse direito.
Aproveita-o, por exemplo, para desacreditar os fiscais do Ministério do Trabalho que reprimem a escravidão no meio rural e para condenar os movimentos dos sem-terra. No primeiro caso, apoia a revisão dos critérios que caracterizam o trabalho escravo, para abrandá-los; contra os sem-terra, reclama a rigorosa aplicação da lei, para castigar invasões de terra e outras ações.
Seria natural, portanto, que o Grupo Bandeirantes defendesse a revisão do Código Florestal Nacional que incomoda seus parceiros - os produtores rurais. Em vez disso, atacou o ministro do Meio Ambiente por exigir respeito à lei federal e declarou apoio ao confronto dos ruralistas catarinenses com o código nacional, ou seja, à desobediência. Essa atitude evoca uma cartilha antiga e lastimável: lei só merece respeito e deve ser aplicada quando serve aos interesses da companheirada; quando não serve, atropele-se a lei.
Não são poucos os alvos de críticas do Grupo Bandeirantes que seguem essa cartilha anárquica. Ganharam, no caso do código catarinense, um novo e inesperado parceiro.