Os dias têm sido tão férteis em descobertas que provavelmente chegarei ao final do ano cansada de tanto acumular conhecimento e tirando fotografia para minha carteira de sócia do CEB (Clube da Elite Branca). Sim, porque as duas principais novidades que aprendi, pasmem, caros internautas, são capazes de mudar o meu destino. Num rápido e rotineiro contato com as principais manchetes da mídia e na leitura de emails trocados entre amigos, fiquei estarrecida ao saber que algumas pessoas podem cansar de tanto descansar, ou melhor, de não fazer nada. E que se intitulam membros nobres de uma elite branca brasileira.

Mesmo sem ter um poodle com lacinhos de fita como cachorro de estimação para levar em manifestações apolíticas ou um personal trainer (com a cara do George Clooney) para me colocar em forma, posso ser perfeitamente enquadrada no bloco da elite branca. Eu, que sobrevivo com alguns salários mínimos, que faço sorteio mensal para ver qual conta devo pagar, que vou ao supermercado no final de semana e risco alguns itens que meu dinheiro não consegue comprar, sou da tal "classe social". Uma elite que já nasceu racista porque se denomina branca num país super-habitado por afro-brasileiros.

Justamente esta minha fugaz temporada pela elite branca me deixou muito cansada, intelectualmente falando, assim como os meus companheiros do movimento "Cansei", que afirma não ser de oposição, mas de cidadãos brasileiros dispostos a recuperar a capacidade de se indignarem. É um protesto coletivo contra o marasmo do cidadão. Ah, tá. Esse movimento, que promete fazer muito barulho no dia 17, leva a da OAB/SP, como se a entidade dos advogados paulistas não tivesse mais nada o que apoiar. Ou, quem sabe, já "cansaram" de ganhar dinheiro defendendo as ações de seus parceiros de movimento?

O protesto nacionalista, que apela para a comoção das famílias que tiveram seus parentes vitimados pelo acidente do Airbus da TAM - num estado emocional propenso a julgamentos rápidos e a apontar culpados de alvo fácil - foi batizado de "Cansei" pelo presidente da Philips do Brasil. O curioso é que o presidente da multinacional, com sede na Europa, tenha se engajado tão rapidamente ao movimento apolítico (isso existe?), justificando-se com frases de efeito como "não preciso me sentir culpado por ser rico" ou "não sei se devemos medir um país pelos números de sua economia".

Os seus colegas de movimento, João Dória Jr., a gracinha de Hebe Camargo, Márcio Neubauer (filho da secretária estadual de Educação do governo paulista do PSDB de 1995 a 2002), entre outros nomes que "pegam pesado no trabalho", juram, de pés juntos, que o alvo da crítica deles é mesmo o marasmo do cidadão. Nos comunicados dos organizadores do "Cansei", o que ficou evidente foi o grito de protesto contra o governo. Não se sabe se por pura coincidência, essas pessoas cansaram dias após o acidente de Congonhas, em que foi inegável a omissão do presidente Lula no apoio e solidariedade às famílias enlutadas.

Desculpe a divergência, sr. presidente da Philips do Brasil, mas eu tenho sim um pouco de culpa por possuir indicadores que me incluem na tal elite branca. Porque enquanto eu não tentar colorir um pouco essa elite, este País continuará cada vez mais cansado. E é um cansaço que pode gerar desajustes psíquicos e familiares irreversíveis. Cansado de injustiças. De desigualdades. De pobreza. De gente sem teto. De criança sem escola. De meninos sem comida. De brasileiro sem esperança. Se eu não fizer mais do que movimentos oportunistas para ajudar a reverter a situação, vou  cada dia me sentir mais culpada.

Novamente, discordo dos comandantes do movimento "Cansei". O meu  cansaço é de ser trabalhadora assalariada, com férias pagas em 24 prestações, e ainda assim não ter tudo que julgo necessário. No entanto, de vez em quando até consigo comprar algum eletrodoméstico da Philips em suaves parcelas em lojas populares. O que me cansa é ver que alguns se cansam de levar comissão em tudo, de colocar os pés sobre a mesa do escritório na Avenida  Paulista e bebericar doses de uísque estrangeiro, o que me cansa é ver tanta gente sonegando imposto e ainda por cima colocando um lucro espetacular no preço final dos produtos que vendem.

Perdão aos enlutados pelo acidente aéreo no Airbus da Tam (grande anunciante da mídia eletrônica), mas não posso itir que uma elite cansada de não fazer nada se aproprie da dor de todos vocês para articular um movimento oportunista com cheiro podre de golpe. Perdão aos filhos e filhas que perderam seus pais na pista de Congonhas (que ainda não se sabe se deveria ou não estar liberada), mas não devo calar-me enquanto vejo membros de uma elite que joga comida importada fora utilizar a comoção de vocês para destilar a raiva por não concordarem com a  reeleição do presidente Lula.

A elite branca, os membros do movimento apolítico "Cansei" e todos os demais hipócritas deste país deveriam estar cansados de alimentarem tanta miséria, de compactuarem com tanta discriminação, de em tanta carteira de trabalho com pagamento de salário mínimo, de fechar o vidro do automóvel importado toda vez que um integrante da elite dos sem-tudo pede um troco na sinaleira. A elite branca deveria estar cansada de não se cansar.