Caminhos cruzados
Na última crônica, escrevi que Elis Regina, em 1964, veio para o Rio e logo se tornou um sucesso no Beco das Garrafas, em …
Na última crônica, escrevi que Elis Regina, em 1964, veio para o Rio e logo se tornou um sucesso no Beco das Garrafas, em Copacabana, onde os bares Little"s e Bottle´s apresentavam shows de bossa nova. Não contei que ela foi morar na Rua Figueiredo Magalhães, em Copa, num apartamento que eu, em férias, alugara com a poeta Lara de Lemos, num edifício onde, por coincidência, já morava o jornalista Tarso de Castro. Eu voltei para o trabalho, na Última Hora de Porto Alegre, Lara ficou para fazer um curso no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) durante um ano e, menos de trinta dias depois, Lara voltou para Porto Alegre,Tarso e eu estávamos foragidos em São Paulo e Elis - essa sim - cantava no Rio.
Vamos aos fatos, para não parecer que comecei um "samba do crioulo doido".
Meados de fevereiro de 1964 vim ao Rio, em férias no jornal, com o objetivo extra de assistir, em 13 de março, ao comício da Central do Brasil onde Jango e outros líderes populares iriam falar. Assisti ao comício, achei que o mesmo era mais munição para o golpe em marcha e voltei para Porto Alegre cético em relação ao futuro do país, da Última Hora e do meu mesmo.
Lara de Lemos deveria ficar o ano de 64 no Rio, fazendo um dos cursos do ISEB, instituição do antigo Ministério de Educação e Cultura, fundada em 1955 e muito prestigiada no governo de Juscelino. Era uma instituição que pensava o Brasil em termos de desenvolvimento e cujo corpo docente era um ninho de cobras. Face ao golpe que a direita organizava, o ISEB, em seu último ano de vida, assumiu uma postura de esquerda e, em 1º de abril de 64, sua sede foi apedrejada pelos asseclas do governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, um dos líderes civis do golpe.
Tarso de Castro e José Silveira, sob o comando de Paulo Schiling, editavam o Panfleto, jornal onde Brizola "mandava brasa", conforme linguagem daqueles tempos.
Dado o golpe e implantada a Ditadura, me despedi da Última Hora publicando a foto e a carta-testamento de Vargas. Publiquei e fugi. O jornalista e amigo Carlos Bastos cuidou, pessoalmente, de minha segurança e, dias depois, entregou-me, em Guaíba, ao engenheiro Arlindo Gómez de Souza, do Departamento de Estradas de Rodagem e estancieiro em Lavras. Este, que conhecia tudo das estradas e das estâncias do percurso, driblou as barreiras onde militares tinham as listas de prisão e amos impunes por Caçapava, Cachoeira e pela própria Lavras. Ficamos na estância até o Arlindo me comunicar que acabara as listas nas estradas e que iria, de carro, com a esposa Carmen (a querida Mamita, hoje no Rio), até São Paulo, à procura do filho - o ainda não super consagrado artista Paulo José - então no elenco do Teatro de Arena. Era a minha carona. Lara já estava de volta a Porto Alegre, ara o apartamento para Elis e nos encontramos em casa dos Gómez de Souza, na Barros Cassal, para uma despedida por tempo indeterminado. Arlindo, Mamita e eu saímos de Porto Alegre ainda de madrugada, dormimos em Curitiba e chegamos em São Paulo, ao encontro do Paulo José. Reencontrei meu pai, que me visitando em Porto Alegre e lendo minha coluna Sem Censura vaticinou: - Você vai ser assassinado. Cheguei logo dizendo: - Pai, ainda não foi dessa vez.
Em São Paulo formou-se um grupo de foragidos que se encontrava todos os dias: o diretor de teatro Flávio Rangel, os jornalistas Tarso de Castro, Paulo Francis e Haroldo (este da agência cubana de notícias, que Tarso conseguiu, depois, colocar em segurança no Uruguai) e eu.
O jornalista Cláudio Abramo, já lendário secretário do "Estadão", às vezes nos convidava para uma rodada de uísque, no bar do Hotel Jaraguá, que ficava no mesmo prédio do jornal dos Mesquita.
Enquanto isso, a "pimentinha" Elis, no Rio, cantava.
Inté.
In memoriam de Arlindo Gómez de Souza, Brizola, Cláudio Abramo, Eduardo
Pinto de Almeida (meu pai), Elis Regina, Flávio Rangel, Paulo Francis e Tarso de Castro.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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