Cadê o filé, presidente?
? Se nós, na hora em que estávamos roendo o osso, fizemos tudo isso que fizemos, agora que o Brasil está ajeitadinho, ajeitadinho, …
- Se nós, na hora em que estávamos roendo o osso, fizemos tudo isso que fizemos, agora que o Brasil está ajeitadinho, ajeitadinho, eles querem comer o filé migon que colocamos na mesa? Não. Vão ter de roer o osso, como fizemos.
(Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na inauguração do comitê de campanha à reeleição, na segunda-feira 24)
Caro presidente, entendemos o furor de uma campanha à reeleição. Sabemos que a companheirada ali reunida merece uma bravata à altura de sua expectativa. Podemos compreender até a ilusão gerada pelo poder, aquela sensação de alma enlevada pelo apoio dos que temem engrossar as fileiras dos sem-emprego. Sabemos também que há mais de duas décadas o senhor não sabe o que é escassez de alimentos à própria mesa, que filé migon se tornou prato costumeiro, quem sabe regado a Romanée Conti, mas o brasileiro comum, presidente, este tem sido mantido à distância de um bom filé. Mesmo a carne de segunda, que talvez o senhor já tenha esquecido do que se trata, aquela cheia de ossos e nervuras, ruim para a tribo dos sem-dente, mesmo aquela anda rara, presidente. Sabe o que é, o povo ficou meio em dúvida sobre o que o senhor quis dizer com esta história de ter colocado o filé migon na mesa. Na mesa de quem, presidente? Com certeza não na mesa do trabalhador brasileiro.
Também pairam dúvidas sobre que osso o senhor andou roendo, presidente. O osso do trágico atendimento de saúde à população continua ali, à espera dos pobres cachorros trabalhadores que tem de roê-lo diariamente, indo para a fila do SUS na noite anterior e rezando para pegar uma ficha, uma papeleta que garanta uma consulta para quem sabe, se tudo der certo, dali a uns seis meses. O osso do excesso de impostos para sustentar os depósitos em cueca-corrente da companheirada machuca os dentes da classe média que, pensando bem, não tem do que se queixar, ao menos ainda tem dentes. Doem os dentes e a alma de quem precisa mandar suas crianças para escolas de periferia, sujas, alquebradas, perigosas, com ensino fraco, isso quando têm professores. Agora, osso duro mesmo de roer é o desemprego. O sujeito não se sente cidadão. Uma vaga de metalúrgico seria o paraíso. O osso parece inável de roer também quando se ouve falar em um crescimento "como nunca antes na história deste país", enquanto tudo que cresce na casa do povo é a barriga, não a do superalimentado, mas a do mal alimentado. Aliás, presidente, como o senhor gosta desta frase, "como nunca antes na história deste país". Tem tanta coisa que aconteceu em seu governo como nunca antes na história deste país e que seria bom que não tivesse acontecido, não é mesmo?
Veja bem, companheiro, como, aliás, o senhor também adora dizer, se está tudo ajeitadinho, ajeitadinho, por que na casa de tanta gente a coisa anda tão desajeitadinha? Parece uma daquelas estatísticas que falam que há sete mulheres para cada homem e o gaiato diz: Então alguém ficou com as minhas outras seis. Cadê o filé, presidente. Se não está na mesa de tanta gente, então é porque alguns têm filé demais. Quando o senhor diz "tudo isso que fizemos", o senhor está se referindo exatamente a quê? Por favor, companheiro, não leve a mal, afinal, quem é o povo para criticá-lo? É só para saber, sacumé? Só para saber.