Tragicomédia em 1 ato. Personagens: Caixa-Preta e Comissão de Inquérito Cenário: Sala de interrogatório Época: atual - O que a senhora fazia naquele vôo? - Cumpria as minhas funções a bordo. - A senhora pode descrevê-las? - Registrar as condições do vôo. - Há quanto tempo a senhora exerce esta atividade? - Desde que me instalaram ali. - Ali aonde, por favor? - No cone frontal do avião. - E há quanto tempo a senhora exerce esta atividade? - Isto já me foi perguntado e já foi respondido. - Senhora, a senhora respeite esta I! - Pergunte outra coisa. - Por que a senhora se chama Caixa-Preta se é de outra cor? - Só me ocupo com o meu íntimo, minha aparência é secundária. - Não desconverse! Lembre-se que a senhora está sob juramento nesta casa. - Avance a gravação. - A senhora então sabe tudo que se ou no acidente? - Só sei o que sei e nada mais sei. - Deixe de filosofia, minha senhora. Conte-nos um pouco mais. - Já repeti toda a extensão da minha memória. Nada ficou sem exame. - Mas, existem coisas inexplicáveis, inclusive palavras desconexas. - Não é assim, sempre, em desastres? - Minha senhora, quem faz as perguntas aqui somos nós. Diga-nos o que ocorreu de verdade. - Já disse: o avião não diminuiu a velocidade e avançou contra o prédio. - Mas, por que isso ocorreu, senhora? - Porque de vez em quando ocorre. Estatística, a lei das probabilidades diz que? - A Lei aqui somos nós! Não se atreva a ironizar, a situação é caótica, minha senhora! - Ouvi dizer. - Não deboche! Estamos decididos a esclarecer o que houve. O que a senhora acha que aconteceu? - Já relatei. - Nada disso, aqui quem relata é o relator! Descreva novamente o momento do impacto. - Sjkthhgrq! Bsfgrtkhlg! Qwpzxast! - Traduza, por favor. - Esta é a interpretação exata dos dados recebidos. - A senhora está atrapalhando a investigação, senhora. Não complique o nosso trabalho. Rebobine-se. - Não tenho bobinas. - Não minta! - Não sei o que isso quer dizer. - Então exponha a totalidade das informações em seu poder, pausadamente. - Já foi feito, dezenas de vezes. Estou à beira do desgaste. - A senhora se recusa a depor perante esta comissão? Queremos apenas saber por que o avião caiu. - Pelo mesmo motivo que caem todos os aviões. - Sim? - Porque alguns caem, enquanto a maioria não cai. - A senhora está brincando com a nossa inteligência? - É recíproco. - Cuidado, sua atitude é um desacato à autoridade. Cuidado com a sua língua! - Minha língua é o inglês, que não é a sua. - Pela última vez, senhora: queremos todos os seus segredos a respeito dos momentos finais do vôo. - São somente estas mesmas frases, que repeti 1.059 vezes até agora. - Só isso? Mas uma Caixa-Preta não grava tudo que se a num vôo? - Sim, não há nada além do que está aí. - Mas assim a gente não consegue culpar ninguém, minha senhora! - A verdadeira causa de acidentes muitas vezes escapa aos registros. - A senhora quer dizer que deixou algo de fora? Que não cumpriu direito a sua única obrigação? É isso? - Bem, nem sempre somos capazes de anotar na íntegra, há excesso de informação,pode haver interferências, talvez dados insuficientes. - A senhora ite, então, que pode ter falhado nesse caso? - Olhando por esse seu ângulo? - A senhora está presa. Nos acompanhe. Pessoal, o caso está resolvido! (Fecha o pano)
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