Botocuda na Internet
Estou chegando da casa de meus pais onde estava desde a manhã. Meu pai colocou, hoje cedo, um holter. Todos sabem o que é …
Estou chegando da casa de meus pais onde estava desde a manhã. Meu pai colocou, hoje cedo, um holter. Todos sabem o que é um holter, pois não? Não! Eu não sabia! Em plena era do Google, eu não sabia deste aparelho que monitora os batimentos cardíacos por 24 horas. Foi determinação do cardiologista amigo da família que, com certeza, por achar que todos nós sabíamos o que era o holter, não explicou nada. Tampouco a primeira clínica que contatei. Esta nem ao menos disse que o paciente precisaria ir com uma camisa aberta na frente para a colocação das peças. Já o Hospital São Francisco, pelo qual optamos para o serviço, apenas alertou para esta questão do vestuário. Nada mais. Para minha surpresa, ao lá chegar, fiquei sabendo que levaria junto uma caderneta para anotar as atividades, o horário e o que o paciente sentiria. Ok. Digamos que fui absolutamente burra em não pesquisar na internet sobre o aparelho. Concordo que fui, digamos, atrapalhada, já que a semana tem sido de marca e desmarca exames médicos. Mas não entendo como se acumulam estes equívocos que saem do médico (que nada explicou) até o hospital, em seu atendimento de marcação por telefone, que explicou pela metade. Tudo se resume à falta de comunicação. Em pleno século 21. Ainda ontem recebi um vídeo da TVE (Espanha) que é estrelado por um cachorro, Pippin. Ele tenta, de todas as maneiras possíveis, chamar atenção de seu dono, um garotinho lindo que está hipnotizado pela programação da televisão. Pippin busca a bola, brinquedos e nada resolve. Até que ele vai à despensa, pega uma malinha, leva para o quarto, coloca nela o prato de comida, seu ossinho de brincar e outros "pertences", fecha a mala com a pata, sobe na cômoda e se "despede" com olhar triste do retrato em que ele e o menininho estão juntos e, com a mala na boca, vai em direção à porta. Um belo e comovente e, ao mesmo tempo, bem-humorado "comercial" sobre a incomunicabilidade. E patrocinado por uma emissora de TV! Também ouvi muito, esta semana, uma velha música de Marcos e Paulo Sérgio Valle, que se chama Comunicação, que é lá dos idos de 70 e poucos, e faz uma crítica bem amarga dos comerciais, da propaganda em geral e desta coisa que se chama? comunicação, e que, naquele tempo, invadia nossas vidas de botocudos que queriam ser Brasil grande. Pelo jeito, ainda continuo mais para botocuda. Hoje, confesso que me senti meio como o cachorro Pippin, fazendo de tudo para participar de uma comunicação que não se realizou, ou pior, se realizou à meia-boca. Fico muito furiosa, primeiro comigo, por ser "da área" e ignorar coisas pertinentes. Segundo, por este descaso que se implantou em todos os setores e que dá a entender que devemos saber tudo ou de tudo um pouco ao menos. Explicar para quê? Perda de tempo. Em tempo: não era SUS. Era tudo particular. Não sei como andam os treinamentos de pessoal nos call centers. Ou melhor - pela história do holter, sei que não estão andando como deveriam. E aí, ao cansaço de já estar em função de um idoso doente, se junta outro, pior: o extremo cansaço de estar obrigado, permanentemente, a ficar plugado em tudo, todo o tempo. Antes de eu arrancar o carro, minha mãe me disse: já viu que lua maravilhosa que está no céu? Fiquei tão, mas tão mal-humorada, que mal me despedi. Ora, mais essa: eu ainda ter de prestar atenção na bela lua que está no céu! O Todo-Poderoso que se anuncie!