Boemia antiga

Desde o dia em que Caim sentou uma porretada na cabeça de Abel (suponho, a Bíblia não é muito explícita a respeito), o ser …

Desde o dia em que Caim sentou uma porretada na cabeça de Abel (suponho, a Bíblia não é muito explícita a respeito), o ser humano começou a ter necessidade do sonho para fugir da crueza da vida.


Então inventou os bares, aonde a gente vai pra jogar conversa fora, incluindo a vã filosofia salvadora do mundo, apesar da robusta certeza de que o mundo não se perderá tão cedo.


Mas é preciso coragem para só se pensar na vida e não na morte, para que a fumaça do bar não vire nevoeiro e as nossas fantasias não se transformem em fantasmas, quando não em assombrações. Ao contrário do que as pessoas práticas dizem, é preciso ter os pés muito bem plantados no chão para se poder sonhar.


Tito Tajes (já se mandou do mundo) e eu, plantões do velho Correio do Povo, saíamos para os bares da madrugada, no tempo em que isso era apenas aventura e não temeridade. Em poucas horas, fundávamos impérios jornalísticos, fazíamos megafortunas, enriquecíamos todas as mulheres - as bonitas, por mérito, as feias, por caridade.


Falíamos ao amanhecer, quando íamos curtir o porre nos braços das bem-amadas, as que, afora cuidar dos filhos, discutiam vinténs com o quitandeiro para fazer o milagre diário de multiplicar o parco (acho que porco, também) fim de mês. 


Que seria do mundo sem a fantasia?


Mero entrechocar de Bushes e Bin-Ladens.


Decididamente, não me serviria.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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