Bienais de A a Z
Fu Lana ainda não visitou a Bienal do Mercosul. Nem a A, nem a B. Aliás, ela não lê jornal há um tempão. Não …
Fu Lana ainda não visitou a Bienal do Mercosul. Nem a A, nem a B. Aliás, ela não lê jornal há um tempão. Não vê tv. Não ouve rádio. Só produz. Outro dia, um conhecido morreu do coração. Enfarto fulminante. Não deu chance de dizer A, nem B. E ela pensou: o que adianta trabalhar tanto? Hibernar dentro de um escritório, lidar com tudo ao mesmo tempo, para ficar sabendo que a Bienal tem quase uma semana e ela não conseguiu nem checar o roteiro. E, agora, com duas Bienais ao mesmo tempo, como vai atualizar o repertório?
É preciso ser alcançada pelas reflexões que ficam flutuando pela cidade, circulando entre os parques, conforme os anúncios que viu de relance um dia desses. Por que não fizeram as Bienais intercaladas? Afinal, se existe um ano entre elas, neste ano inteirinho, por acaso as coisas param? Talvez seja o tempo de produção. E o tempo livre da azarada Fu Lana vai coincidir exatamente com a pausa entre as duas Bienais. Se fossem intercaladas, poderiam existir de A a Z. Para a gente aproveitar uma, depois a outra. E evoluir um pouquinho de cada vez.
Dizem os experts que esta é uma Bienal mais enxuta, mais aguda. Não apresenta aquela enormidade de quilômetros e aquela parafernália de espaços. Se a criatura quer arte contemporânea, vai a um local. Se quer a linha histórica, vai a outro. Dizem (para ouvir dizer sempre há tempo) que esta Bienal, a do Mercosul, na forma da edição, não fica devendo à de Veneza ou à de Ecarta. Que pode tranqüilamente ser visitada pelo mundo inteiro e não ficará devendo. Ela representa, estimula, provoca e materializa questões planetárias. Uau! E Fu Lana está perdendo isso já faz quase uma semana.
Que será que Fu Lana e a maioria dos zilhões de trabalhadores no mundo estão pensando? Decerto, que o mundo irá cristalizar lá fora, enquanto todos mantêm seus narizes dentro dos escritórios. Que tudo vai parar até que todos tenham tempo livre ou dinheiro sobrando. Taí uma verdade difícil. E pensar que, mesmo depois da revolução de comportamento, de mudança cultural, de conscientização pela saúde, ela e os tais zilhões de panacas repetem a mesma doença do mundo: trabalhar duramente, valorizando o vil metal, ao invés de virar as tranças e sonhar, que foi para isso afinal que o homem pode ter sido inventado.
No que se transformou o homem-produto? Há um problema crucial no design dos protótipos, que já duram séculos em experimentações. Há um defeito crônico no choramingar pela falta de tempo. E esse defeito a pela falta de organização, mas isso tudo já foi dito em livros de auto-ajuda. Também não há tempo para ler. Pensar então, talvez em outras encarnações. Quando homens forem outros bichos.
Fu Lana desta vez ficou devendo à filosofia.
Pelo menos se espera que resulte algo que preste nesse esforço e hibernação forçada. Que fujam todos de seus birôs de trabalho. Que invadam bienais de A a Z. E que elas sejam mais espaçadas num futuro breve para a gente sobreviver a tanto prazer.