Beija-flor
Quadrilha João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os …
Quadrilha João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. Carlos Drummond de Andrade
Se eu escrever que sentei aqui e a visão de um beija-flor inspirou esta crônica, leitor mais desconfiado vai dizer que estou chutando. E estou.
Se eu escrever que senti saudades da nossa Pretinha, a cadela companheira de 16 anos, que se foi ano ado, depois de cansar de me fazer companhia ao lado do computador, não estou chutando. Se eu escrever também que em endereço anterior, Pretinha e eu ganhávamos a visão de um beija-flor (ou mais) através de uma parede de blindex, também não estou.
Edeson Coelho, campineiro como eu e também criado em São Paulo, Publicitário do Ano num ano qualquer, cansado de muitos prêmios, estava diretor da DPZ Rio quando dependurou as chuteiras. Conhecido pelo seu senso de humor, grandes sacadas e um absoluto ódio pelo telefone, criou - quando a Willys foi vendida à Ford, conta de propaganda que ele dirigia - uma campanha que marcou época, pela criatividade e identificação de oportunidade: "Faça como a Ford, compre Willys".
Reynaldo Jardim, goiano - se a memória não me trai - crescido em São Paulo, onde, ainda muito jovem, editou a revista Carrossel, um luxo de vida curtíssima, veio para o Rio de onde, décadas depois, foi para Brasília e até acabou sendo Secretário de Cultura do DF. Não tenho condições de escrever sobre o Reynaldo, com quem tive mínimos contatos pessoais, ao contrário do Edeson, de quem fui até vizinho. Reynaldo, com Oliveira Bastos e Ferreira Gullar, no Rio, com Décio Pignatari e os irmãos Campos, em São Paulo, foram os agitadores, anos 50, do movimento concretista, quando poesia e artes plásticas tiveram presenças significativas nas artes brasileiras. Ferreira Gullar, inclusive, por motivos de ideário estético, acabou criando o movimento neoconcretista. Reynaldo, em 1958, idealizou e editou o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e, em 1960, o Caderno B do jornal. Esse Caderno B acabou criando também os segundos cadernos da imprensa brasileira que, até então, juntava tudo: notícias, colunas, crônicas, críticas, entrevistas, charges, horóscopo, turfe e palavras cruzadas.
Sob a batuta de Ziraldo, este Caderno B acaba de fazer uma profunda reformulação e, entre os talentos convocados, Reynaldo, também poeta, reaparece:
"? Adão olhou para Eva: - Não entendo esse pomar. - Deixa comigo, querido, tem maçã para o jantar. Sei que é fruto proibido, o que se há de fazer? Vamos juntar nossa fome com a vontade de comer ".
Nessas novas páginas do Caderno B os leitores encontram o Fausto Wollf e o Antonio Torres, amigos que há 13 anos escreveram para o meu "Antonio?s, caleidoscópio de um bar", o jornalista e colunista Fritz Utseri, que entre outras gentilezas, nos ofereceu, com a esposa, um jantar em Paris, onde era correspondente (eu retribuí com uma sessão de escargots no Rio). Há até uma coluna brega, dessas que a gente já sabe logo o que vem, pois aparece um nome estapafúrdio e mal-inventado, cujo titular não nomeio, pois o nome é bem comportado e ele não vai gostar. Em boa compensação, Marina Colassanti faz parte da nova equipe de antigos colaboradores.
Leitores atentos já se perguntam: e o Edeson?
Voltemos, agora, aos anos 40, quando Edeson e Reynaldo, amigos em São Paulo, ao terminarem o Ginásio, em vez de optarem pelo segundo grau que antecede a Universidade, resolveram fazer o Curso Normal, no Instituto de Educação Caetano de Campos, a escola da minha vida e, antes, da Lygia Fagundes Telles que - eu sei - mostrou ao Erico Veríssimo, de agem por São Paulo, o grandioso edifício. O motivo do Edeson e do Reynaldo não poderia ser mais comovente: adoradores do sexo oposto, escolheram por companhia, durante as aulas, 38 normalistas. Entre elas, minha irmã Rachel que, como na "Quadrilha", do Drummond, "não tinha entrado na história" mas que, em compensação, não casou com nenhum dos dois.
Aconselho a leitura do Jornal do Brasil e, principalmente, do Caderno B, por mais um outro motivo que o presidente da Câmara, Severino Cavalcante, insiste em me ensinar - nepotismo: Rachel Almeida, minha filha, é repórter do mesmo.
Se algum leitor mais ranheta achar que essa crônica está descosida, remeta-se ao título e lembre-se que beija-flor que se preza cumpre o mesmo destino deste cronista, que adora beijar flores de todas as espécies?
Inté.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio"s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio), co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos) e um dos autores de "64 Para não esquecer" (Literalis). [email protected]