Batman e o cais

Fu Lana lembra bem quando queriam revitalizar a orla do Guaíba nos contornos da área onde está hoje o Parque Harmonia, em Porto Alegre. …

Fu Lana lembra bem quando queriam revitalizar a orla do Guaíba nos contornos da área onde está hoje o Parque Harmonia, em Porto Alegre. A idéia de jerico era colocar um hotel de não-sei-quantos andares e uma marina particular para não-sei-quantos barcos. Iria dar emprego para muita gente e aproximar o povo da água. Agora, de novo, a idéia espetacular é revitalizar o cais da cidade, colocando ali três torres de 20 a 14 andares cada uma e tornar três dos imensos galpões do porto em estacionamentos. É engraçado e trágico quando essa gente dos empreendimentos imobiliários percebe a necessidade de revitalizar algum local: eles transformam tudo em construir, vender e ganhar. E o povo? Esse pobre já não vê a água, pois está atrás de um murinho de dois metros e umas edificações térreas naquela orla beirando o cais. Porém, dizem que vão diminuir o muro para um metrinho e meio, e colocar grama do outro lado. Simpático. E assim, am a vender a massiva idéia das torres e os estacionamentos. Esse pessoal não desiste. E do jeito que vão as coisas, no Estado e na Capital, é capaz dessa asneira ar batido. No tempo do Parque Harmonia, havia quem reclamasse, quem barrasse a eterna idéia de privatizar a orla. Hoje, Fu Lana não tem tanta certeza de que a defesa do que é público terá alguma chance. Os tempos são outros. Prá pior.


E a tortura? Falava-se firmemente em "tortura nunca mais".  Daí, a desavisada Fu Lana foi ao cinema ver Batman. A batcaverna tinha tanta luz que parecia dia. A mocinha ia casar com outro paladino civil, que no fundo, no fundo, era um patife. O mordomo, bem, o mordomo estava ótimo, como sempre. Carisma não é para qualquer um. O Coringa, ah! o Coringa. Teria Jack Nicholson dito ao ator Heath Ledger: é muito perigoso aceitar esse papel? Parece que Ledger não ouviu. O atual Coringa dá asco. No entanto, com asco ou sem, existe a justiça. E a justiça de Batman deveria ser mais justa que a dos homens. No entanto, Batman é ovacionado, amado, e será copiado, por bater no nosso inimigo preferido, dentro de uma cela azulejada, perguntando-lhe coisas. Batman perguntava, o Coringa não respondia e dá-lhe cacetada. Derrubava o coitado, perguntava, o Coringa nada dizia, e apanhava. Isso é interrogatório sob tortura, prática institucionalizada pelos nossos heróis de antigamente que foram capturados pelos homens da atualidade. O policial, que substitui Batman na cena, resolve se importar com as provocações irritantes do bandido pintado e borrado, e vai para o mesmo procedimento técnico: tortura. Não teve lá tanta astúcia e foi dominado.


Na saída do cinema, Fu Lana comenta com suas heroínas adolescentes: vocês perceberam que se tratava de uma inconstitucionalidade aquele "surrar" do Coringa?


E as meninas, tão novinhas e queridas, responderam com outra pergunta: e se fôssemos sequestradas, tu não bateria nos bandidos se assim fosse possível descobrir alguma coisa? No afã de demonstrar o quanto as amava, Fu Lana disse um inaudível: sim, eu acho.


Acabou ali a conversa. Fu Lana também havia sido cooptada pela grande armação universal contra o ser humano. ava de mocinha a bandida em um piscar de olhos. Definitivamente, os tempos não mudaram para melhor. 

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