Parodiando Euclides da Cunha que disse que o sertanejo é antes de tudo um forte, é possível dizer que o brasileiro típico é ainda hoje aquela pessoa que aceita o papel que os donos do poder lhe reservaram na vida política. Somos todos Severinos, como escreveu João Cabral de Melo Neto em seu poema Vida e Morte Severina: ?somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, a mesma morte Severina. Nelson Pereira dos Santos, em 1963, retomou essa idéia, ao filmar o livro Vidas Secas de Graciliano Ramos. Com um intencional distanciamento dos personagens, como se estivesse fazendo uma reportagem sobre uma família de retirantes, Nelson reforça a idéia de que todo aquele sofrimento só era possível porque o personagem, vivido pelo ator Atila Iório, não se revoltava. O filme é de 1963, uma época que poderia ser lembrada como quase revolucionária e no qual as artes, principalmente o cinema e o teatro, procuravam conscientizar as pessoas sobre o absurdo do sistema social em que se vivia no Brasil, principalmente no campo. O filme, mais do que o livro de Graciliano, ressalta essa resignação do personagem que conduz a história, Fabiano ? até mesmo na forma de tratamento com o patrão ? ?inhô sim? e ?inhô não ? na aceitação de um sistema injusto. A revolta deveria começar pela palavra. Guardadas as devidas proporções, essa resignação do oprimido persiste até hoje e está na sujeição em 2025 a um sistema que guarda grandes semelhanças com o ado. Troca-se a paisagem árida do sertão alagoano da década de 40 pelo alvoroço da vida nas grandes cidades, mas os Fabianos de hoje ainda são os mesmos do ado. O patrão que o explorava na fazenda é o empresário de hoje que continua ganhando cada vez mais, enquanto o empregado fica cada vez mais pobre. O policial que batia e prendia o Fabiano no livro de Graciliano Ramos e no filme de Nelson Pereira dos Santos se transformou no governo que usa suas instituições para negar os direitos dos trabalhadores como Fabiano e o manda prender quando ele se rebela. O livro de Graciliano é de 1938 e é acima de tudo uma denúncia da miséria em que vivia o caboclo nordestino, vítima da seca. O filme de Nelson Pereira dos Santos é de 1963 e foi recebido por todos nós na época como um estímulo à revolta. Visto hoje o filme virou um inventário das causas perdidas e a comprovação do quanto é preciso ainda denunciar a cultura da resignação a uma ordem injusta e de mostrar que, se os donos do poder mudaram de aparência e usam roupas de grife e sapatos da moda, continuam sendo os mesmos daquele ado na pequena cidade de Palmeira dos Índios. Graciliano Ramos na literatura e Nelson Pereira dos Santos no cinema fizeram um retrato naturalista do Brasil do ado, que no essencial segue vivo nos dias de hoje. Cabe a nós propor o o adiante, a conquista da Revolução Brasileira. 66676s
BASTA DE RESIGNAÇÃO 2g1q1z
Por Marino Boeira 2u461b
26/03/2025 14:32
/ Atualizado em 26/03/2025 14:33