Esta semana, em pelo menos um trecho de rua, Porto Alegre virou uma daquelas metrópoles em que a intervenção urbana acontece a toda hora, em qualquer lugar, para surpresa e deleite da população. Falo da faixa de segurança que virou código de barras em escala topográfica, no cruzamento da Andradas com a Senhor dos os. Adorei. Queria eu ter tido a chance de pisar por lá e guardar a sensação de participar dessa subversão visual. Um momento criativo raro na cidade, logo tratado como uma irresponsabilidade. Por isso foi barrado depressa demais, antes de ser assimilado culturalmente pelas autoridades e curtido pelo povo como arte pública, um conceito para quebrar preconceitos. Apagar a graça de um grafismo temporário com o rigor do provincianismo permanente só comprova nosso condicionamento sob todos os códigos, de barras ou não. Ao anônimo autor (ou no plural, pela extensão da obra), meu clap, clap, clap! Merecia era o reconhecimento das calçadas. Inspirado em sua criação, lembro alguns códigos que barram a imaginação contemporânea e, se existisse, a sensibilidade oficial. |
Código de barras Sistema de representação de informações através de elementos visuais para decodificação por meio de leitora ótica.
Código de birras Conjunto de teimosias pessoais e, principalmente conjugais, a partir de implicâncias banais, já catalogadas durante o convívio, codificadas em olhares atravessados e gestos enviesados, com decifração instantânea entre as partes.
Código de borras Existem dois tipos. Um deveria ser melhor utilizado pelos consumidores nos cafés da cidade, em que os sinais visíveis nos coadores, como manchas temporárias e nódoas indeléveis, indicam o histórico dos locais quanto aos procedimentos sanitários. Requer retinas sensíveis. O outro é um dos itens adivinhatórios oferecidos por videntes e afins para a interpretação do destino através da analise dos sedimentos no fundo de xícaras e canecas. Como todo código esotérico, é só para os iniciados em exploração da credulidade humana.
Código de burras Relação de informações altamente privilegiadas, codificadas para uso por governantes, políticos, autoridades, funcionários de alto escalão e que tais. Nele se agrupam dados exclusivíssimos de o aos cofres públicos. O código, um dos mais antigos em aplicação no país, é previamente criptografado sob senhas como "por baixo dos panos", "meandros istrativos", "licitações públicas" etc. Como se sabe, inescrutável para nosotros.
Código de barros Tratado lingüístico que, com retórica marqueteira e falsas promessas, auxilia autoridades a enfrentar "fatalidades" como alagamentos nos centros urbanos e deslizamentos em áreas de risco. Palavras embargadas, criancinhas no colo e algumas dúzias de cobertores também são elementos-chave. Não confundir com o código utilizado com freqüência no mar de lama do país. Lá, funciona o do impunês.
Código de berros Um sintético amontoado de símbolos sonoros e visuais, de uso corrente nas ruas de qualquer cidade. Tem o poder de estabelecer comunicação imediata entre cidadãos de várias classes sociais. De um lado, vocabulário curto e grosso aliado a equipamentos portáteis de diversos calibres para produzir coação moral e física. De outro, informações de comportamento prático diante das situações de troca involuntária de bens, com regras de conduta minimalista, que predeterminam volume da voz e contenção corporal. Este código vive em choque com o código penal, de conteúdo indecifrável.
Código de bilros Noções secretamente transmitidas de gerações a gerações por rendeiras para difusão particular da técnica secular de rendas e bordados com pauzinhos e almofada. Como a transmissão é feita por gestos velozes, o código beneficia apenas olhares especializados, embora feito à vista de turistas. A decodificação profissional resulta em obras apreciadas, traduzidas em elogios e vendas, rendas em renda.
Código de bureaus Sistema eficientíssimo, que desorganiza procedimentos, desordena funções, desagiliza prazos, desorienta usuários. A codificação básica se vale desde ferramentas arcaicas como carimbos até recursos desumanos, como a formação automática de filas, e a manutenção de anacronismo documental. Contraditoriamente, a linguagem não é cifrada, o que simplifica a criação de embaraços e adiamentos, com frases claras e afirmativas em balcões e guichês. As mais comuns são "não é aqui", "está faltando uma via", "volte amanhã". |