Barcelona antídoto

Entretenimento e magia. A fórmula parece simples. Não é. Qualquer realização, por menos pretensiosa, requer idéia, proporção, timing e ação concreta, além dos cálculos …

Entretenimento e magia. A fórmula parece simples. Não é. Qualquer realização, por menos pretensiosa, requer idéia, proporção, timing e ação concreta, além dos cálculos que estão por trás de cada pedra. A complexidade do mundo é filosófica e Fu Lana continua batendo pino.


Ela não consegue entender como tudo parece funcionar. Ela, que toca um mininegócio, transforma-se em múltiplas pessoas para fazer o mínimo. Empreender é com certeza aglutinar pessoas, dividir tarefas, para somar e multiplicar. Num primeiro momento, porém, montar um castelo de cartas exige paciência, tempo e tranqüilidade, acima de tudo, porque turbulência não quer dizer velocidade.


Enquanto pensa em planejamento estratégico, a partir do joguinho diário do fluxo de caixa (como dizem os especialistas), alguém liga para fazer um acerto de livros e a nossa heroína perde o fio da meada. Tem saudade do tempo em que ministrava oficinas de design editorial e apenas transitava entre projetos, idéias, sacadas e varandas. As sensações criativas acabam dominadas, inundadas, soterradas por milhões de tarefas gerenciais. Nada contra, mas é preciso permitir que Fu Lana artista volte a dominar a cena e que a empreendedora seja capaz de colocar alguém para fazer o trabalho sujo, tipo: contar, devolver, dirigir, fazer notas e dedilhar o cirquinho diário do tal fluxo de caixa. Volta, Fu Lana. Aproveita o potencial criativo pelo bem que ele faz ao mundo. No entanto, esgota-se o tempo, ela se confunde e (como escapar?) vai ao cinema.


Se o mundo funcionasse como a vida de Fu Lana haveria guerra e caos ao invés de um sistema doentio e em crise que dá ao cidadão pelo menos a oportunidade de esquecer de seus problemas, vez ou outra.


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Imagine um lugar onde você abandona a si mesmo e as limitações da banal realidade. O cinema, um chocolate e, acima de tudo, Barcelona são os mais simples prazeres, nada de exageros.


Va benne, coloque em cena algumas mulheres jovens, corajosas, inteligentes e elegantes. Faça da simplicidade, a trama, e da sofisticação, o lema. Ponha na história um carrinho discreto, vermelho, conversível, com apenas dois lugares. Troque olhares esverdeados, azulados e escuros como ébano. Mescle com convidativos e fluentes diálogos. Retire de cena qualquer lembrança de pressa, estresse e compromissos. Esqueça as mesquinharias, e preste atenção no vigoroso e sensual pintor catalão. Apenas uma pitada de jet set, porque demais estraga, e pode abusar da originalidade dos poetas, principalmente daqueles que se recusam a falar inglês. Ponha, eventualmente, ou mesmo logo de cara, uma trilha moderna, fresca que tenha palavras picantes e impulsivas como Vicky, românticas como Cristina, conceituais e absolutamente abrangentes, como Barcelona. Não esqueça de ar pelas câmeras, inúmeras vezes, os cabelos sedosos e bem penteados, loiros, castanhos ou morenos, pertencentes a mulheres lindas de sorrisos fartos e semblantes inabaláveis.


Ao fundo das cenas, vez em quando, sugira as vinhas de bucólicas cidades do interior da Espanha e, para completar, mencione o que parece simples, mas requer uma alta manutenção financeira, tais como hotéis, pousadas, restaurantes, jardins, casas maravilhosas. De quebra, use cálices enormes, com vinhos brancos e tintos, flores naturais, arte expressionista abstrata, voraz sensualidade e muita discrição.


O filme de Woody Allen está mais para o namoro, excitante, novo e divertido, do que para o casamento, previsível, insosso, seguro e acomodado. O roteiro aborda as fórmulas abertas de relacionamento que, mesmo no século XXI, cheio de cuidados com a prevenção pela saúde, ainda são uma fantasia e despertam curiosidades.


Vá questionar a caretice e a resignação no cinema. Depois você volta para a vidinha, com aquele sorriso vago e saudoso no olhar, como quem ouve guitarras flamencas ao vivo em uma noite de verão, em Barcelona.

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