Autoritarismo e grosseria

Vou dar sequência à crônica da Clô sobre a Porto & Vírgula porque, casualmente, faz pouco, andei mexendo em minha coleção desta irável revista …

Vou dar sequência à crônica da Clô sobre a Porto & Vírgula porque, casualmente, faz pouco, andei mexendo em minha coleção desta irável revista e experimentei, mais uma vez, a sensação de estar triste, chocada e desiludida com o fato de este registro da vida pensante de Porto Alegre não existir mais. Não há uma razão decente para que isso ocorra.
Quando eu estava editando, ano ado, a Coletiva.net, cheguei a fazer contato com o assessor de imprensa do hoje secretário Municipal da Cultura Sergius Gonzaga para saber do resgate da edição. Na ocasião, recebi dele a resposta de que a revista não voltava porque em Porto Alegre não havia editor apto para isso. Resposta mais que agressiva, insensível com seus pares. O mais incrível é que, hoje, fiquei mais meia hora procurando esta matéria nas notícias aqui do site e não achei! Simplesmente sumiu! Mistérios da internet. E ela foi publicada, porque eu mesma editei e publiquei.
Adiante, então. No texto de Clô, é mencionado que a SMC extraviou o número zero da revista. Eu tenho este número. Guardo com amor e carinho. Não empresto, não vendo, não dou. Por anos, a convite da Susana Gastal, e posteriormente do Fernando Rozano, colaborei ativamente com a Porto&vírgula. Um dos artigos que para ela escrevi, sobre o tema paixão, me valeu um Prêmio ARI de Crônica.
Para esta revista fiz, também, uma matéria daquelas que considero do coração: acompanhei, durante semanas, o atendimento psicológico realizado no Hospital de Pronto Socorro aos pacientes traumatizados, de bandido preso com algema à maca até uma mulher que via saírem bichos de seus poros, e pari um texto sobre a loucura que, modéstia nenhuma, é um dos melhores já feitos sobre o assunto. Também escrevi muito sobre teatro para a P&V, e até entrevistei um integrante da Legião Estrangeira, pauta da própria Susana. Eu adorava trabalhar para a Porto&vírgula.
Foram trabalhos de que me orgulho. Foram, não. São.
Não me importa aqui se era a esquerda que ditava a revista (não era, Susana esteve sempre acima destas besteiras), Olívio Dutra o prefeito e Pilla Vares (com quem cheguei a ter uma briga aberta, via minha coluna de teatro no Correio do Povo e que chegou a me ameaçar pedir meu pescoço ao diretor do jornal, tenho o fax ainda hoje) o secretário de cultura. O que me importa é que havia, na Coordenação do Livro e Literatura da SMC, gente interessada em fazer circular o conhecimento e a vida cultural de Porto Alegre sem qualquer ranço. A voz era dada não a quem tinha carteirinha do PT, mas a quem realmente se interessava pelo chamado, pretensiosamente claro, "fazer cultural".
Devo a Susana esta fase bonita da minha vida profissional. Susana faz muita falta, realmente, não só na SMC mas nos meios culturais e, particularmente, literários desta cidade mesquinha que julga pessoas por suas escolhas ideológicas e/ou partidárias. E pior ainda quando isso se dá na área dita cultural.
Não entendo e não perdôo Sergius Gonzaga por deixar este vácuo, tirando a Porto&vírgula de circulação. Ainda mais ele, um cara dos livros, competente, criativo, um sujeito que deixa a gente embevecida quando abre a boca para contar o que sabe de cultura e de história. É lamentável que a P&V tenha virado apenas memória. Me envaidece ver meu nome no expediente de tantas edições da revista. Sergius, pelo que me lembro, também está em algumas. E acho autoritarismo um secretário de cultura (que não é um burocrata) dizer que não existe gente capacitada para tocar o projeto da P&V em frente.
Já somos indigentes culturais o suficiente, diante de São Paulo e Rio, para nos darmos ao luxo de ficar apenas com a Aplauso (excelente, que Deus a mantenha!) circulando. Sepultar a Porto&vírgula é o nome na lista dos insensíveis sem visão em todos os tempos. Sergius, com certeza, não vai querer isso para ele.
 

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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