As trevas, de alto a baixo

Faltou luz. Esta semana, foi a segunda vez aqui em volta – na primeira, um caminhão bateu, de ré, num poste com transformador. Detalhe: …

Faltou luz. Esta semana, foi a segunda vez aqui em volta - na primeira, um caminhão bateu, de ré, num poste com transformador. Detalhe: dentro do posto de gasolina. O motorista puxou o freio de mão e saiu da cabine. Hoje, nem sei a razão do black out. Talvez o temporal. E como tem dado temporal por este país!  Sinal dos deuses: mitologicamente (segundo minha mitologia pessoal), a chuva lava os males, os trovões limpam o astral e os raios queimam as maldades. 
Estamos precisando de muito disso, com certeza. Está faltando luz não só na rede elétrica, mas principalmente na rede mental das criaturas. Num país em que todo um ministério apodrece mês a mês e a titular do governo faz um café da manhã com os coleguinhas e ainda diz que no seu mandato não tem lugar pra corrupção, a luz está faltando mesmo. Ainda mais quando uma pesquisa aponta que a ex-guerrilheira que chegou ao topo do poder no meu amado Brasil está aprovada pessoalmente por uma boa parte da população. É a treva total, pior que na Idade Média da peste bubônica.
Sem falar na tal oposição, que não sai da zona de conforto ou porque tem rabo preso não desamarrado ou realmente porque jogou a toalha por absoluta incompetência. Tá dominado, tudo dominado. Falta luz em especial em boa parte das redações de rádios, jornais, TVs e sites, nas faculdades de comunicação social, e nos sindicatos, aliás setor em que encheu os bolsos, de forma digamos nada sutil um tal de Luiz Fernando Emediato, ex-escritor e hoje dono da editora que pariu o livro escroto de um tal Amaury Jr que eu chamo de "o outro" e é pior que o botocado da TV. Falta luz. Aliás, dona Luci, minha sábia e rigorosa mãe, viu uma entrevista deste cara na Record e me disse: "Não confiei nesse sujeito só pelo jeito de ele olhar, ele não olha no olho, ele é um mentiroso". 
A treva vai do maior ao menos poderoso. Como o caso da maldita enfermeira que torturou e matou a pauladas e pontapés um cachorrinho indefeso, e fez isso na frente de uma criança de seus dois anos de idade. ei mal quando vi o vídeo que rolou pelo Youtube. ei mal quando soube que faz mais de um mês que esta bandida foi ouvida "informalmente" numa delegacia de Goiás e simplesmente mandada para casa. É a escuridão total: a brutalidade cometida na frente de uma criança contra um animal que agonizou até a morte diante da frieza da assassina. Não tem energia de Belo Monte e Itaipu que chegue a tempo pra uma alma destas.
É trevoso da mesma forma ver um trem ficar parado mais de 40 minutos numa linha carioca,  apinhado de gente, e um burocrata dos infernos aparecer duas horas depois para falar com a maior calma que foi um problema, que aconteceu. Que importa, afinal, aquela gente? É considerada gado, aquela gente pobre, fedorenta, desdentada, descabelada, que vive fazendo crediário e ando cheque pré porque acredita no que dizem os poderosos, então, para os "lá de cima", essa gente não merece preocupação daqueles  que elege em troca de promessas e tostões pra uma cachacinha a mais! É ou não é? Eles não aprendem, por isso, ficam dentro de um trem, sem ar, no escuro. E azar deles. Falta luz.
Então, agora que voltou a energia por aqui e que cometo mais esta conversa meio sem nexo, quase na véspera de mais um Natal, fico com vontade de desligar computador, todas as luzes da casa, pegar os meus amados cachorros e sair rua afora. Sem destino. Sem bilhete de volta. Minha pouca luz está em curto também. Espero que ainda haja conserto.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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