As mulheres e suas invejáveis relevâncias políticas

Por Márcia Martins

Ainda no SPA de Butiá, para onde vim antes do Natal, retomaria a coluna depois do recesso tratando de assuntos variados, nem tão pesados, mas nem por isso desinteressantes. A ideia era falar da polêmica nas redes sociais em torno do filme "Não olhe para cima", disponível na Netflix, comentar as férias não oficiais do presidente Jair Bolsonaro no final de ano, uma vez que ele não reou o poder, a total falta de empatia do mesmo e de sua equipe diante das enchentes na Bahia e até mesmo a minha imensa preocupação com números assustadores da Covid-19. Mas, mesmo não querendo falar de política, preciso abordar mais um ato de machismo e desrespeito com a ex-presidenta Dilma Rousseff. 

Ela foi excluída do jantar, em 19 de dezembro, reunindo o ex-presidente Lula (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, recém desfiliado do PSDB e ainda sem partido, e que teve a presença de diversas lideranças políticas para afinar possíveis alianças eleitorais. Apesar de ser eleita, pelo voto direto e democrático, a primeira mulher para presidir o Brasil, e reeleita para um segundo mandato, Dilma foi ignorada na lista de convites do encontro organizado pelo Grupo Prerrogativas, formado por juristas, advogados, juízes e professores. Como se a ex-presidenta nada tivesse a acrescentar, como se sua presença fosse desnecessária. O retrato de uma perseguição sentida pelas mulheres todos os dias: a discriminação. 

Será que já não basta o fato de ter sido impedida de terminar o seu segundo mandato ao sofrer um impeachment que foi uma farsa? Será que ela não tem mesmo relevância política, como afirmou o vice-presidente do PT, Washington Quaquá, ao tentar justificar a ausência de Dilma reforçando que seu papel é só de ex-presidenta? Ou será que ela está fadada à perseguição política e a sua ausência em decisões cruciais para o futuro do País pode ser interpretada como um novo impedimento, como lembrou a jornalista Denise Mantovani, doutora em Ciência Política, estudiosa do tema mídia, gênero e democracia, em uma coluna no blog Brasil247? 

Em nota sobre a exclusão de Dilma, sindicalistas da CUT/RS filiadas ao PT, questionaram a ausência da ex-presidenta e se mostraram indignadas com o vice-presidente do PT. "São manifestações machistas, levianas, misóginas e desrespeitosas", reforçam e reafirmam o apoio à Dilma, "mulher guerreira, que enfrentou os ataques injustos de cabeça erguida, que não se dobrou às negociatas e pressões e se manteve sempre digna". 

A ausência da ex-presidenta em referido jantar é uma constatação de que nós, mulheres, temos sim uma relevância política que causa inveja aos machistas que ainda navegam e se alimentam das distorções históricas do patriarcado. E, diante do medo de posições firmes, seguras e coerentes das mulheres, muitas vezes, optam pelo caminho mais fácil e obtuso: ignorar as nossas ideias. Mas, importante sempre reforçar que nada nos cala, nada nos amordaça, nada nos amedronta. Tentam cortar nossos galhos, nossos troncos, mas não conseguem jamais arrancar nossas raízes.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comments