As moitas amoitavam

Que vergonha estes escândalos. No meu tempo, um bom escândalo demorava a escandalizar. Ele primeiro se escondia em autorias secretas e envolvimentos mil e …






















Que vergonha estes escândalos.

No meu tempo, um bom escândalo demorava a escandalizar. Ele primeiro se escondia em autorias secretas e envolvimentos mil e não dava logo as caras, nem sobrenome aos bois.


Só aos poucos um escândalo, de qualquer porte ou escalão, assumia seu integral tamanho. Havia a vergonha de, desde o início, parecer simples falcatrua, um trambiquezinho, pobre mancomunação, uma sacanagem geral, essas insignificâncias.


Mas agora, não. Os escândalos estão pintando com o vigor das coisas às claras.


Aliás, se muita coisa feita às claras à maneira e ao modo dos escândalos, este país até que progrediria. Há mais eficiência na produção dos escândalos do que na vida istrativa do Brasil. A vergonha não presta contas, deve ser isso. Escândalo é sem burocracia, não precisamos de relatórios para a roubalheira.


E donde brotou tanto escândalo, plantados na recente história política e econômica danação, digo, da Nação?


Foi pra responder, em tese, que eu comecei este textinho. A culpa é das moitas. Da falta de moitas. A ecologia da pouca vergonha foi devastada.


(Não tão entendendo o meu raciocínio? Não faz mal - eu nem estava raciocinando.)


Quando havia moitas, abundância de moitas, se fazia tudo nas moitas, no Brasil inteiro. Quietinho, escondidinho, no silente silêncio. Aí então os escândalos demoravam mais a vingar. Ficamos anos, décadas, sem notar o que havia de escândalos sob nossos pés e narizes. O País fedia menos por causa das moitas, que purificavam a paisagem corrupta.


As moitas se foram, na erosão provocada por esses caras-de-pau que destroem o meio ambiente moral do Brasil. As moitas acabaram mal cuidadas pela ganância descuidada e foram desaparecendo. Obsoletas pela audácia dos escandalizadores.


Repare.


Ninguém mais rouba na moita. Suborno não é mais na moita. Cadê a moita, pelamordedeus? É escandalosa a falta de moitas. Era um falso recato que fazia bem, digamos, à imagem da vigarice e da canalhice nacional. Estou envergonhado com a ausência de moitas.


Olho ao redor, no árido terreno da ambição, e me assombro com a sujeira à vista da indignação popular. É um deserto o cenário dos ladrões. Não há sombra de dúvida (nem de qualquer outra) de que estão à vontade, muito. Enfim, o habitat natural da impunidade. Um escândalo abarcando todos os outros.


Eu sou antigo. Preferia as moitas.






Pandemônios religiosos e raciais, pandemias animalescas, pandoras explosivas, pandilhas políticas, pandas extintos, natureza em pandarecos, pândegos sem limites, egos pandos, pandorgas com cerol, pandulhos famintos, pandelós azedos, pandiculações mal-educadas - e depois ainda dizem que este mundo é um pandeiro!
Vozes dos animais - razões do vozerio.

Amarguras, angústia, ansiedades - por isso acoamos.


Bate-bocas, broncas, brigas, beligerância - por isso
berramos, balimos, bufamos, bramimos.


Crenças, crendices, crises, culpas, ciúmes - por isso
cacarejamos, crocitamos, chiamos.


Ganas, ganância - por isso ganimos, grunhimos,
guinchamos, grasnamos.


Mágoas, maldades, medos, mentiras, mesquinharias
- por isso miamos, mugimos.


Raiva, rancor, ressentimento, recalques, ressabios,
rabugices, revides - por isso relinchamos, rosnamos,
roncamos, rugimos.


Saudades, separações, simulações, solidão - por isso
sibilamos, silvamos.


Ultrajes, humilhações - por isso urramos.


Etc.






Fui fazer uma ressonância magnética e, ao
dizer uma gracinha para a recepcionista, descobri
que o meu magnetismo já não ressoa.


Ambigramices


Calculei mal a amnésia e cometi um engano a respeito dos ambigramas de Nagfa para mim, dizendo que já havia mostrado os dois aqui. Agora sim, sem outra ilusão de ótica a não ser nas peças, ambas para ler e reler girando 180º . Na primeira, José Fraga; na segunda, Fraga/Brasil. Como já elogiei antes, sem enganos, esse casal - Naguib e Fadilah - é extremamente habilidoso nessa nova arte, além de altamente produtivo. Do Brasil para Singapura, meu obrigado em dobro aos meus novos amigos.


oOo

E de novo o meu jovem amigo chileno, Homero Larrain, me ofertou outra beleza de ambigrama. Ele adora a Seleção Brasileira e salientou no blog dele o nosso favoritismo na apostas (o Brasil tá pagando apenas 3,50!) - daí a homenagem
em verde e amarelo e em 180º . Homero é um dos mais versáteis artistas nessa arte, sempre inventando novas propostas e apresentando soluções originais e com impecável acabamento. Se ele é bom assim agora, recém-iniciado, imagine daqui alguns anos. Gracias, Homero! Confira aqui e lá a engenhosidade dele.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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