As duas dimensões humanas

Por Flávio Dutra

O que tem em comum Ronaldo Fenômeno, Didi dos Trapalhões e Regina Cazé? Conforme depoimentos de quem convive com essas celebridades, elas se comportam de um jeito simpático e amigável publicamente, mas longe dos holofotes assumem outro comportamento - são ináveis, pra dizer o mínimo, reproduzindo o que se ouve nos testemunhos.

Esses depoimentos, a maioria disponível em podcasts, comprovam o que canta Caetano Veloso em Vida Profana: "de perto, ninguém é normal", ou, usando uma corruptela, longe das câmeras ninguém é normal.  É bem verdade que falar mal dos famosos é um esporte nacional e aí entra mais gente na roda, como Antônio Fagundes, Galvão Bueno e até o falecido Ayrton Senna, com suas chatices ou relação conturbada com os fãs, com seus iguais e com assessores. Poderia enumerar muitos exemplos mais, incluindo lideranças políticas que só assumem o figurino de gente boa em período eleitoral.   Porém, todos eles tem que saber que a regra é clara:  quem tem exposição pública não pode se valer disso para destratar aquele que é obrigado a conviver com o famosinho.

A propósito, lembro que já escrevi sobre um confrade de minhas relações que costuma julgar as pessoas nas dimensões física e  jurídica.  A física diz respeito aos atributos pessoais - caráter, personalidade, atitudes - e a jurídica ao desempenho profissional - competência, entregas, relacionamento funcional, comprometimento.  Assim, não é raro se referir a um conhecido no condicional:

- Na física é uma rica de uma pessoa, mas, na jurídica, um baita incompetente.

Também é recorrente a sentença inversa:

- Na jurídica é um grande profissional, mas, na física um péssimo caráter.

Nesta minha jornada septuagenária   sou tentado a concordar com o confrade, eis que tenho convivido com gente de todas as espécies.  Conheço perfis, especialmente entre as chamadas pessoas públicas, que induzem a grandes enganos com suas atitudes.  Fina flor da meiguice para efeito externo, nas internas são verdadeiros déspotas.  E parece haver uma relação direta entre a ascensão do sujeito e a incivilidade: quanto mais poderosos, mais autocráticos. Os piores são aqueles que recebem um carguinho e acham que são deuses.

- Dá-lhe o látego e conhecerás o tirano, - dizia, algo solene, um diretor de rádio que conheci no ado, ele mesmo um especialista em disseminar o terror entre os seus colaboradores.

O látego, para quem não sabe, é o chicote usado pelo verdugo para flagelar suas vítimas. As vítimas são todos aqueles obrigados a conviver com os opressores de plantão, porque o sujeito mal avaliado na jurídica, mas de boa índole, ainda a, porém, o contrário não é verdade. Do jeito que vai, daqui a pouco seremos obrigados a imitar Diógenes, que saia as ruas na Grécia antiga carregando uma lamparina, alegando que estava a procurar um homem honesto e íntegro.  Detalhe: o filosofo era conhecido como Diógenes, o Cínico, o que deve significar alguma coisa sobre o caráter dele.

Na verdade, Diógenes procurava a virtude de uma vida simples e natural, dessa simplicidade e espontaneidade de que são feitas as pessoas do bem, que prescindem do látego porque são integras na física e na jurídica. Se me pedirem nomes dos outros, nem com látego revelo.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

Comments