As aparências

Yeda Crusius parece uma personagem singular, incomparável, no cenário político nacional. E parece, também, uma personagem incapaz de, no mínimo, fazer-se compreensível dentro e fora dos …

Yeda Crusius parece uma personagem singular, incomparável, no cenário político nacional. E parece, também, uma personagem incapaz de, no mínimo, fazer-se compreensível dentro e fora dos círculos do poder. Talvez queira, mas não saiba; talvez saiba, mas não possa.


A chefe do governo desperta em parcelas do público a impressão, por exemplo, de que não raciocina. Pensa, mas não raciocina ou, numa hipótese menos dramática, é dotada ou destituída de algum mecanismo cerebral, habilidade ou conhecimento que torna o raciocínio dela desigual ao da maioria das pessoas. Precisa ou imprecisa, essa impressão resulta da enorme frequência com que a governadora contraria o que chamamos de senso comum. Ela acha certo o que a maioria considera absurdo; e considera absurdo o que a maioria acha certo.


Suponho que, diante do alto nível de informação dos leitores desta revista, seja dispensável citar exemplos. 


Mentes talvez maldosas, como as de invejosos e de adversários inconformados, reduzem essa característica de Yeda Crusius a uma determinação indomável de aparecer a qualquer custo. Trata-se de uma interpretação quase inconcebível, porque sugere que somos governados por alguém que padece de um problema patológico, como uma obsessão. Pior ainda: a hipótese de que qualquer governante se dedique a contrariar a maioria do público, pela intenção exclusiva de aparecer, implica em atribuir-lhe nada menos do que algum grau de insanidade.   


A presença da governadora à beira dos caixões, em alguns minutos do velório de um jogador e de outro funcionário do Brasil de Pelotas que morreram em acidente, produziu em alguns ambientes a idéia de que o Rio Grande está sob o comando de uma demagoga. A idéia baseou-se no fato de que a governadora não compareceu ao velório de nenhuma outra das milhares de vítimas de acidentes nas estradas gaúchas. É um argumento razoável, mas a acusação de prática de demagogia perde consistência diante da trajetória do governo Yeda, marcada até aqui por altos índices de desaprovação.


Demagogos não são ainda tão impopulares. E nem costumam contrariar publicamente o senso comum.


A avaliação ou especulação que mais ouço, sobre o perfil da governadora, lhe atribui uma personalidade instável, impulsiva, agressiva, autoritária e egocêntrica. Ufa!! Não é pouca coisa, mas convém desconfiar de que seja tudo. Porque, se o perfil da governadora é mesmo esse, estamos convivendo com uma autoridade de comportamento bastante assemelhado ao de muitos outros governantes e políticos. E aí ficamos sem explicação para a aparente singularidade de nossa personagem. 


Não é desprezível a hipótese de que Yeda Crusius seja, no cenário político, uma personagem muito mais comum do que sugerem noticiários e comentários, suspeitos ou insuspeitos. Mas a impressionante sucessão de espetáculos produzidos e exibidos a partir do Palácio Piratini, como capítulos de novela, recomenda apostar que sim, nossa governadora é mesmo incomparável, e o que lhe garante essa condição é a incapacidade de andar em linha reta. Se o caminho é reto, ela o torna sinuoso e até circular; se é simples, torna complexo; se é fácil, cria dificuldade; se é próximo, afasta; se é rápido, atrasa; se é claro, faz confuso e obscuro.

Autor

O jornalista Robson Barenho está na profissão há 35 anos e, depois de ar pelas atividades de redação e de reportagem em rádio, TV e jornal, esteve em funções de chefia, gerência e direção de Jornalismo em Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, nos jornais O Globo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e Correio Braziliense; na Rede Bandeirantes de Televisão e na Rede CBN. Atuou nas rádios Tupanci, Pelotense e Universidade, em Pelotas, e na Gaúcha. Foi para Brasília em 81 como correspondente da Guaíba e dos jornais da Caldas Junior. Ficou 27 anos entre Brasília, São Paulo e Rio,e  retornou a Porto Alegre no ano ado, onde atua na Pública Comunicação.

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