Arrogâncias
A reportagem de Veja que resultou na cassação de Ibsen Pinheiro baseou-se em um dado falso, ou seja, foi uma fraude. A revelação não …
A reportagem de Veja que resultou na cassação de Ibsen Pinheiro baseou-se em um dado falso, ou seja, foi uma fraude. A revelação não suaviza os onze anos de calvário do ex-deputado, mas a restituição da verdade é benéfica em qualquer tempo. Os detalhes estão na reportagem de capa da IstoÉ desta semana e em dez páginas internas - a revista não trataria com menor alarde um assunto capaz de desmoralizar a concorrente.
Ibsen comandara o processo de impeachment de Fernando Collor e se convertera em virtual candidato à presidência da República. Um ano antes do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso ainda não figurava no elenco, e Ibsen aparecia como o único candidato, digamos, de centro, capaz de enfrentar com sucesso Luís Inácio Lula da Silva. A denúncia de Veja mudou a história do Brasil. Jamais saberemos em que proporção.
O caso veio à tona quando a IstoÉ entrevistava Ibsen sobre o livro que ele está escrevendo e descobriu um artigo de Luís Costa Pinto, o Lula, no qual o ex-repórter de Veja - hoje consultor do presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha -, faz uma mea-culpa. Tardia, mas corajosa. Em breves palavras, de acordo com Lula, Valdomiro Diniz, esse que o Zé Dirceu mal conhece, na época assessor da Subcomissão de Investigação Bancária da I do Orçamento, e braço direito dos deputados Aloízio Mercadante e Zé Dirceu, que já na ocasião mal o conhecia, o procurou na noite de uma sexta-feira, dia de fechamento da revista, com documentos que supostamente comprovavam movimentações bancárias de Ibsen da ordem de um milhão de dólares. O caso dos Anões do Orçamento só pegara políticos do Baixo Clero, e denúncias contra um figurão representava um furo irresistível.
De madrugada, escrita a reportagem, Lula foi dormir. Às oito da manhã de sábado o acordaram com o recado de que o editor executivo Paulo Moreira Leite precisava falar-lhe com urgência: a checagem havia feito as contas e concluíra que se tratava de mil dólares, e não de um milhão. Segundo Lula, em vez de derrubar a reportagem de capa, Moreira Leite deu-lhe dez minutos para encontrar alguém que confirmasse o valor errado em "on". Disse que não colocaria fora a capa, já impressa, pois não daria tamanho prejuízo à Editora Abril, mas que poderia alterar algo nas páginas internas. Benito Gama, pefelista, ansioso por se vingar do homem que comandara o impeachment, e cuja fama de arrogante é itida pelo próprio, confirmou a história, mesmo confrontado com o erro. O resto é conhecido.
Moreira Leite jura que não fez nada disso e acusa Lula de arrogância, por não ter itido que cometera um erro e por ter insistido na publicação. Curiosamente, o checador que encontrou o erro que a Veja publicou como verdade, Adam Sun, um chinês implacável e preciso, famoso nas redações paulistanas, recebeu um prêmio em dinheiro. Ironicamente, de mil dólares, o mesmo valor movimentado por Ibsen. Conhecendo-se os dois, Lula e Moreira Leite, tende-se a acreditar que Lula fala a verdade. A avaliação torna-se ainda mais fácil quando um dos personagens tem a humildade de reconhecer o erro publicamente - ainda que muito tempo depois -, com toda a conseqüência que isto pode ter na vida de um jornalista, e o outro, que era o chefe, nega tudo e joga a culpa no subordinado.
A imprensa embarcou em peso na versão de Veja. Ibsen, que nada tem a ver com isso, não encontrou espaço para se defender na época, como Alceni Guerra ou os donos da Escola Base também não encontraram. Apenas, segundo suas dramáticas palavras à IstoÉ, tomou a decisão de não morrer. Se ele é culpado de algo, que se encontrem as provas. Na ausência delas, venceu a leviandade dos políticos, a falta de caráter de homens como Valdomiro Diniz e a criminosa arrogância que costuma acometer editores cuja prepotência é inversamente proporcional ao talento. Trata-se de especialistas na lapidação da própria imagem, vocação que os conduz a cargos para os quais não exibem preparo técnico nem psicológico, mas mesmo assim conseguem enganar por décadas patrões desavisados e leitores indefesos.
Longe demais das redações
Certamente usarão o caso para reforçar a necessidade de um controle do governo sobre a mídia, como querem os atuais ocupantes do Planalto. Não faltarão jornalistas engajados para engrossar o coro de seus ideólogos de estimação. Sobram profissionais cujas carreiras se desenvolveram bem longe das redações, em sindicatos, diretórios e gabinetes, sempre ansiosos por revelar lealdade à causa, mesmo quando ela se mostra mais totalitária do que qualquer pefelista conseguiria imaginar. Como escreveu Alberto Dines em mais uma definição lapidar, "contra o denuncismo, o peleguismo" (Dines estava no Programa do Jô na madrugada desta terça, mas só tocou de agem no caso Ibsen). Censura não evita casos assim, e pode gerar outros ainda mais graves, em maior quantidade, e que jamais serão descobertos, a menos que algum companheiro de alto escalão autorize.
Carreiras
Lula foi o autor da entrevista na qual Pedro Collor liquidou a carreira do irmão.
Tardio, mas pontual
Conveniente para o candidato a vereador Ibsen a revelação do assunto a meses da eleição. Pequeníssima compensação para danos incalculáveis.
Descontinuado
Zé Dirceu vai deixar Lula continuar no emprego?
Quer dizer
O Lula jornalista.
Canetaço na calada da noite
Henrique Meirelles agora tem status de ministro. Só o Supremo pode se meter com ele. Que exagero. O homem só possui uma fazenda que vale um centavo.
Lincoln psicografado
Nunca tão poucos abafaram tantas denúncias em tão pouco tempo.
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Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances SILÊNCIO NO BORDEL DE TIA CHININHA e DONA DEUSA E SEUS ARREDORES ESCANDALOSOS e da ficção juvenil ELYAKAN E A DESORDEM DOS SETE MUNDOS. Escreve semanalmente neste site.