Armar é crime
“A ficção precisa fazer sentido; a realidade, não.” Em meio a tantos atos secretos nomeando parentes e empregados, contas secretas com dinheiro não-contabilizado, graças
"A ficção precisa fazer sentido; a realidade, não." Em meio a tantos atos secretos nomeando parentes e empregados, contas secretas com dinheiro não-contabilizado, graças ao Senado Federal, o brasileiro está preparado para assistir a Trama internacional. E a frase entre aspas é de um dos personagens do filme pego com a boca na botija.
Para que uma trama seja bem-sucedida, todos os pontos devem ser dados com regularidade, unindo fio a fio, em movimentos circulares, lado a lado, de uma ponta a outra. Caso contrário, a trama se desfaz. Aula de tricô e artesanato? Na verdade, trata-se de uma regra básica para que o lodo da corrupção seja amalgamado. Estaríamos falando do Congresso brasileiro? Também. Mas vamos nos deter ao cinema.
Nos textos de Trama Internacional, abstraída a situação ficcional, estão os princípios de qualquer sistema ilícito: funcionar dentro da legalidade. Tem a fachada de um banco, mas negocia armas e apoio logístico (leia-se mercenários) com países do Terceiro Mundo ou onde houver guerra. Ganha com as dívidas dos povos massacrados, compra e vende mísseis e armas de pequeno porte, derruba e mantém homens no poder.
Ao ser criado para beneficiar alguns, o sistema não pode ser rompido. Neste caso, usa-se a violência. Matar o mensageiro e ass a família toda para disfarçar é trabalho para profissionais. Envolver, sempre que possível, os três poderes - ou melhor, os quatro - é indicação de sucesso. Como sempre, o jornalismo a vergonha. De novo, por dar apenas a pontinha do iceberg.
Trama internacional debate o comércio de armas organizado. Como se nas armas não estivesse o crime. Para uns, vendem mísseis. Para outros, vendem antimísseis. Nos dois casos, a morte é certa. Assim como o traficante que tem a droga e nem sempre a usa, acaba levando os usuários à morte. Armar também é crime.
No texto do filme está seu valor maior. Nele, ouvimos os conceitos máximos que regem as diversas partes do sistema. Uma delas, a do Banco: "Dinheiro não é a única moeda que interessa. Quem domina a dívida, controla tudo."
No entanto, a grande hipnose que acontece em Trama Internacional está nos encontros secretos em salas de museus de arte. São apenas dois encontros. Um deles ocorre em um museu tradicional, em frente a imensas telas pintadas a tinta a óleo. Nelas, "a agonia parece verdadeira", na fala de um assassino acostumado a presenciar a cena representada. Aqui, o filme combina a violência real simulada diante da figuração de uma época ada.
O encontro no Guggenheim, em Nova York, é muito mais bala. Literalmente.
A tranquilidade do ambiente, o lúdico e a tecnologia que impera nas obras de arte trazem uma inevitável comparação dos es artísticos entre a representação de uma época e outra. No entanto, toda e qualquer violência registrada, seja em tela ou na forma digital, tem sequer um milésimo da força de uma imitação da violenta realidade. As cenas resultadas desse encontro no museu moderno nos deixam estupefatos com as inúmeras relações que se pode fazer sobre o papel da arte na sociedade contemporânea.
O filme se a na realidade que conhecemos, mas permite perceber o quanto estamos naquele futuro já previsto na ficção do ado. Um mundo violento, tecnológico, dominado pelos sistemas de poder que os homens criaram para não ficar à mercê da maldade humana. Onde não há mais saída na Lei formal. Quando a lei dos mais armados faz com que os homens de bem "assumam a mesma estrada que condenaram para combatê-la". E que os simples mortais não possam fugir de tudo isso, nem mesmo dentro da tranquilidade de um museu.