Aproveite, antes que acabe
Túneis verdes! Pode coisa mais bonita, romântica, ecologicamente correta? Pois então! Estamos comemorando os novos trechos de Porto Alegre tombados. Eu vizinho com um …
Túneis verdes! Pode coisa mais bonita, romântica, ecologicamente correta? Pois então! Estamos comemorando os novos trechos de Porto Alegre tombados. Eu vizinho com um destes túneis, realmente uma imagem bonita, tanto vista do chão quanto pelo google earth, como este . Falo no túnel da Marquês do Pombal. Ok. Sou uma chata realista e fico pensando na umidade que os prédios baixos enfrentam sob estes túneis, já que o sol pouco pega por ali, já que tem de atravessar a linda floresta para aquecer os moradores. Mas concordo que se preservem estes recantos.
Minha postagem desta sexta-feira, no meu blog Clínica da Palavra, fala no tema. É uma crônica meio nostálgica, já que eu me queixo da descaracterização das ruas pela loucura da busca do lucro das construtoras que, sem dó nem piedade, botam abaixo prédios significativos que, se não têm valor histórico e patrimonial, merecem respeito por sua integração harmoniosa ao conjunto.
Tenho caminhado muito pelo bairro Moinhos de Vento, que considero ainda o mais bonito de toda esta cidade, apesar de degradado ao contrário, ou seja, não pelo esfacelamento das casas velhas mas pela implantação de horrendos edifícios que não respeitam nem mesmo a altura do morro.
O Moinhos tem idiossincrasias que me encantam e ao mesmo tempo me incomodam. Como a escadaria que leva da rua Marquês do Pombal até a Barão de Santo Ângelo. Impressionante como é bonito aquele recanto, com um mato que dá moldura à curva da rua. No entanto, pobre de quem mora ou tem de ar por ali!
O caminho que existe, no meio do mato, e que leva até uma praça em frente a um enxame de prédios modernosos, é um perigo. Arrisquei andar por ali uma vez, acompanhada dos meus cães, e jurei não repetir a aventura. Além da imundície, com restos de comida, coisas dos papeleiros e dos maloqueiros que fazem do lugar sua morada, lógico que se tropeça em fezes humanas a cada o. Na escadaria que citei, não é diferente.
Dia desses, vi um cara fazendo fogueira, na calçada, em frente à sede do Departamento Municipal de Limpeza Urbana. Havia vários funcionários conversando no pátio do DMLU. A fumaceira subia, sem a menor vergonha, morro acima, fedorentando os imóveis de luxo. Mas não vi ninguém se mexer para impedir o sujeito de continuar queimando papel sabe-se lá se para cozinhar ou se aquecer.
De todo modo, continuo adorando caminhar e bisbilhotar as casas que resistem, ainda, na Barão de Santo Ângelo e na Santo Inácio, em especial, onde resiste uma mansão, esta de fato caindo aos pedaços, imensa, nobre, sempre fechada e onde, uma única vez, vi uma senhora em cadeira de rodas acompanhada de enfermeira. Até quando vai ficar por ali aquela lembrança de tempos de muita aristocracia, não sei.
Me chama atenção, também, que as únicas pessoas que se vê, naquela área, são porteiros e seguranças, além de empregadas que descem com cachorros para dar uma rápida voltinha diante dos prédios. Falta aquela presença humana do dono da casa, aquele convívio que, com certeza, houve em outros tempos.
Na Marquês do Herval, bem na subida, me espanta a sobrevivência de um mercadinho, instalado prosaicamente numa garagem. Ficará ali até quando, já que vizinha com um estranhíssimo prédio em estilo je ne sais quoi, branco, fantasmagórico, em que vi, por detrás de um vidro blindado, a figura de uma senhora, num dos andares mais altos, olhando a paisagem, imóvel, sozinha?
Também parece uma tendência instalar, no Moinhos, clínicas de repouso para idosos - que tenham o devido dinheiro para pagar "o ponto", claro. Uma delas funciona na casa em que morreu Margit Kliemann, principal personagem de um crime insolúvel que Celito de Grandi, como li no Coletiva, vai desvendar
Também me encanta a praça que homenageia um advogado que foi interventor no Rio Grande do Sul no tempo do Estado Novo de Vargas, a Maurício Cardoso. O espaço foi adotado pela iniciativa privada e está bem cuidadinho. Tanto que o jardineiro, dia destes, reclamou que as pessoas não cuidavam das flores que ele plantava, deixando os cachorros fazer sujeira e bagunçar os canteiros. Ainda bem que os meus estavam na guia e eu munida de sacos plásticos para coletar a tal sujeira!
Mas o entorno começa a perigar na praça - esta semana, as máquinas botavam abaixo mais uma casa, para construir mais um edifício, bem ao lado de outro, medonho, que tem por habitante um pitbull destes de empresas que alugam cães de guarda, já que, pelo visto, não apareceu ainda morador interessado ou com grana para.
Por isso, recomendo que se eie - e muito - pelo Moinhos de Vento enquanto há tempo. Mesmo que, no ar, paire um certo esnobismo de novo-rico, o substrato de velhos tempos ainda permanece - aquela particularidade chamada "clima", que não tem nada a ver com o tempo, sol ou chuva, mas com o emocional de um lugar. E nisso o Moinhos é imbatível, não importa quantos terraville ou jardins europa se construam, derrubando mato e inchando de cimento, vidro fumê (e carros e mais carros) os locais onde, não faz muito, havia tambos de leite e paz de espírito.