Aplausos e lágrimas

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves, mineiro de São João Del Rei, por eleição indireta no Congresso, venceu o pleito à presidência …

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves, mineiro de São João Del Rei, por eleição indireta no Congresso, venceu o pleito à presidência da República por 480 votos a 180. Seu adversário foi Paulo Salim Maluf.


Entre muitos outros, essa vitória possuía dois imensos méritos: a devolução dos destinos do país à sociedade brasileira, dando fim a uma odiosa e homicida ditadura; e a derrota de Maluf.


Cria da ditadura - Maluf, filho do imigrante libanês Salim Farah Maluf e genro de Fuad Luftalla, integrante do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e que foi importante liderança paulista no golpe de 1964 -, ganhou de presente do general Artur da Costa e Silva, ditador de plantão, a prefeitura de São Paulo, mandato exercido de 1969 a 1972. Como foi, depois, governador de São Paulo e novamente prefeito, enquanto os paulistas foram tungados uma vez, os pobres paulistanos foram tungados por três vezes, sem contar que foi secretário municipal de Transportes ($transportes de valores?$) e presidente da Caixa Econômica Federal ($?!), e emplacou um seu sucessor na Prefeitura, Celso Pitta, cuja ex-mulher afirma que o mesmo se filiou à quadrilha.  Como governador, Maluf criou a Petropaulo, de onde jorraram, além de muita água e um pouquinho de gás, 500 milhões de dólares. Esses dólares ou foram para o limbo ou já queimaram no fogo do Inferno.


Essa nebulosa imagem de um prodígio da desonestidade ganhou foro internacional e dou destaque para o jornal francês Le Monde, que face à notória reputação de Paulo Maluf, comentou a existência, em português, do verbo malufar, que significa apropriar-se de dinheiro público. Por tratar-se de quem se trata, esse "público" gera desconfiança diante da concordata do grupo Eucatex,  que  deve mais de 300 milhões de reais à praça e que acaba de ter acolhido, pela Justiça,  o pedido de recuperação judicial. O grupo é presidido pelo filho de Paulo Salim Maluf, Flavio Maluf, cujo compartilhamento da mesma cela com o pai gerou tanta piedade ao juiz Carlos Velloso que comandou a liberação de pai e filho, liberação que, espero, seja provisória, pois quero mesmo é ver o Paulo Salim em cana, ou, numa outra hipótese, morto.


Os episódios que levaram esse eterno militante da direita à cadeia fazem imaginar o tamanho da pilhagem nacional da qual Tancredo livrou o Tesouro Nacional. Poucos fatos nacionais foram tão aplaudidos como a prisão dos Maluf e tão lamentados com a soltura da dupla.


Essa vitória de Tancredo no Congresso Nacional, até então subjugado pela força das armas, nos faz lembrar, também, que poucos espíritos conciliadores da nossa História conseguiram, através da habilidade e do talento, identificar o momento exato para mudar, de forma radical, os destinos da pátria. Do porte e do sucesso de Tancredo, que com maestria "costurou" a coligação chamada de Frente Liberal para chegar à presidência, minha memória ilumina, apenas, uma única figura: José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, que, com sua cultura múltipla e voz respeitada junto ao príncipe regente, conseguiu que o mesmo se proclamasse Pedro I e fundasse nossa independência política.


Advogado, Tancredo iniciou sua trajetória política em sua cidade natal, elegendo-se vereador em 1935, mas voltou à banca durante o Estado Novo, a ditadura implantada por Vargas em 1937.


Na reorganização constitucional do país foi, cronologicamente, deputado federal por Minas, ministro da Justiça de Vargas, quando presidente eleito, de Juscelino, novamente deputado federal por Minas, presidente do BNDE (atual BNDES), primeiro-ministro, deputado federal pela terceira vez por Minas, senador e governador mineiro, até a sua eleição para o cargo máximo da nação, em 1985.


Durante toda a vigência da "Redentora", nome com que os golpistas acobertaram seus desígnios, Tancredo militou na oposição.


Primeiro-ministro do único período parlamentarista da nossa história republicana, participou ativamente de um episódio que honra nossas não muitas tradições democráticas: a Legalidade.


Quando Jânio Quadros, presidente eleito por esmagadora maioria, renunciou ao mandato, em agosto de 1961, três altas patentes militares, que aram à nossa história anedótica como os Três Patetas, tentaram impedir a posse de Jango Goulart, vice-presidente eleito.


Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, mobilizou as forças populares em defesa da legalidade e acabou sendo apoiado pelo III Exército. Durante o ime, que poderia culminar num conflito armado, Tancredo convenceu os golpistas e João Goulart, o Jango, a aceitar uma solução parlamentarista, o que aconteceu.


Apesar de a solução não agradar à maioria do povo gaúcho, nem a Leonel Brizola que reencontrei às vésperas de sua morte e me reiterou sua certeza de que, se houvesse o confronto, a legalidade seria imposta pelas armas, opinião que também é minha, como ex-participante ativo do movimento, foi uma solução que tem que ser creditada a este grande "costureiro" e conciliador político que foi Tancredo.


Quis a fatalidade que em 14 de março de 1985, dia anterior à sua posse, Tancredo fosse internado em Brasília com fortes dores abdominais. José Sarney, vice eleito,  assumiu a presidência aguardando o restabelecimento de Tancredo, que a partir de então, já em São Paulo sofreu sete cirurgias e, em 21 de abril, seguia o destino de Vargas, despedindo-se da vida para entrar para a História.


Tentei ar aqui, aos menos idosos, como essa fatalidade aconteceu a um sonho nacional prenhe de significados e de esperanças.


À figura de Tancredo eu atribuo uma outra fatalidade: seu vice era Sarney.


Inté.

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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