Apesar

"…Que me importa que a mula manqueEu quero é rosetar…"Haroldo Lobo e Milton de OliveiraEssa marchinha de antigo Carnaval serve como epígrafe à minha …

"?Que me importa que a mula manque
Eu quero é rosetar?"

Haroldo Lobo e Milton de Oliveira

Essa marchinha de antigo Carnaval serve como epígrafe à minha postura existencial, ou seja, a alegria de viver é território da condição humana, mil vezes superior à cidadania.


"Nem tanto ao mar nem tanto à terra", provérbio de cuja origem não tenho a menor idéia, diria-me o Conselheiro Acácio, esse, sim, sei ser criação do inefável Eça de Queirós. Rosetar, uma versão marota que o vulgo inventou para a palavra namorar, eu quero, mas não quero só rosetar.


Isso é válido para a minha cidadania, que o infortúnio jogou no terceiro mundo.  


Esse é um problema cultural impossível de se resolver em termos plurais e quem, como os pintores Antonio Bandeira e Cícero Dias, por exemplo, não carimbou o aporte e se mandou para sempre, ficou.


Ninguém é totalmente ilha, ainda que eu, pessoalmente, me considere próximo da tentativa de me definir, feita pela antiga companheira, a poeta Lara de Lemos: "Um monge sem deus".


Em não sendo ilha, sou brasileiro e minha cultura é brasileira, cultura moldada em oito anos de Estado Novo e mais 20 de uma ditadura assassina, e pior, imbecil. Face à barbárie brasileira, sou esnobe e acho um assassino civilizado, culto, se possível erudito, menos cruel que um assassino imbecil.


Como todo habitante de um terceiro mundo - no caso ocidental -, sou um colonizado que vibra com um pentacampeonato ou com uma façanha esportiva made in Brazil. Não é todo dia que a gente se orgulha de ser conterrâneo de um   César Lattes, Carlos Gomes, Villa-Lobos, Niemeyer ou do Tom Jobim e, por isso, o futebol quebra o galho.


O escritor Antônio Torres publicou, no Jornal do Brasil, uma crônica sobre os argentinos, fregueses de nossas piadas, principalmente pela acusação de empáfia. De acordo com os números e conceitos mostrados pelo Torres, em relação à educação e à alfabetização, eles têm direito, se comparados aos brasileiros, a toneladas de empáfia, mesmo querendo igualar Maradona a Pelé, deslize menor, coisa de terceiro-mundista à cata de troféus para a pobre nacionalidade.


Se a nacionalidade é fortuita, a cidadania não é. E se você não quiser se igualar à  imensa patuléia que prefere ser conduzida sem se preocupar por quem, a  cidadania tem que ser exercida sempre, em todas as circunstâncias.


Desde a infância nossa vida tem dois pólos absolutamente distintos, um relacionado à casa - o "domus" - e que se estende até o planeta e sobre os quais, desde a obediência primeira até a possibilidade quase infinita de mando, de poder, as posições se modificam, caso a caso. Não foi assim com Átila, Nero, Stalin e Hitler? Alguém pode ser o patrão de uma nação e empregado de outra mais poderosa. Não pode? 


O outro pólo é intangível, é propriedade pessoal e intransferível e, melhor, intocável no plano interior. Não foi assim com Ghandi, por exemplo? Nesse pólo a responsabilidade total cabe a cada indivíduo e sobre ele apenas a fortuna ou infortúnio interferem e, às vezes, até as decisões dependem só de quem as toma. Jocasta e Édipo, mãe e filho, poderiam prosseguir um casamento feliz, o que não seria o primeiro caso de um incesto feliz.


Tenho quase que todos os elementos racionais para ser um homem feliz e o sou, mesmo confinado num mundo de pobreza, violência e, certamente, nada civilizado. Essa condição mobiliza minha cidadania e não interfere na minha persona. Essa minha alegria de viver se amplia quando a emoção vem dançar com a razão. As grandes alegrias, quase sempre, são tecidas pela emoção.


Meus 28 anos de cidadão tutelado pelo Estado minimizam os dramas atuais. Sugiro o que sempre me deixou vivo e atento: reflexão e ação.


Vou reunir a parte da minha galera que anda tristonha - até alguns familiares -  e gastar, de tanto rodar, um CD do Paulo Vanzolini, o paulista, zoólogo formado em Harvard, boêmio e sambista:



Volta Por Cima


Chorei, não procurei esconder 
Todos viram, fingiram
Pena de mim, não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava       
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava 
Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Venha lhe dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima.  


Inté.  

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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