Alunos para sempre
Fu Lana deixou de ser aluna há bastante tempo, infelizmente. De tempos em tempos, procura reciclar e assiste alguma palestra, lê, fica sempre atenta …
Fu Lana deixou de ser aluna há bastante tempo, infelizmente. De tempos em tempos, procura reciclar e assiste alguma palestra, lê, fica sempre atenta a alguma coisa, e pode ser realmente qualquer coisa. Numa dessas, esteve ouvindo um pernambucano (outro que domina no meio acadêmico do desenho industrial gaúcho, este baseado em Santa Maria). Palestrante profissional, utilizou-se de múltiplos recursos de comunicação em uma promoção da Apdesign (Associação dos Profissionais em Design no RS). Falou rápido, logo no início, impondo o ritmo acelerado e já agitando a platéia com idéias. Praticamente afirmou concordar com sua fama de polemista e ser reconhecido dessa forma em todo o país (menos em Goiás e no Espírito Santo). Defendeu veementemente a formação técnica do desenhador industrial (utiliza essa terminologia, sem anglicismos) que deve ter sua origem baseada nas ciências, na engenharia, na arquitetura e (com ênfase menor) nas artes e nas sensações imediatas da impressão. Aquelas que acontecem por golpes ou espasmos. Deixava raso (explícito) que os experimentadores, ou os que trabalham por frenesi ou ainda "por apenas acharem bonito", certamente não serão bons desenhadores de produtos industriais. Poderão ser artesãos ou artistas, mas, na opinião de Luiz Vidal Negreiros Gomes, o profissional de projeto precisa dominar a quinta operação matemática: a modular. "Precisamos de muita técnica." "Beleza é igual à quantidade de esforço vezes a qualidade da tarefa." As terminologias com as quais Lana deparou-se naquela noite são impossíveis de serem listadas a partir de sua ínfima memória.
Ao final da sessão (aula, terapia ou boxe das idéias) que durou por duas horas rápidas e virtuais, o professor desculpou-se por ter falado tão pouco. Exaurida pela falta de prática, Fu desistiu. E, ao sair, encomendou dois livros de Vidal. Não conseguiu falar em público sobre nenhuma das angústias que a dominaram durante a explanação. Já não reconhecia, e não aplicava em sua prática, o vocabulário em questão. Não sabia mais quantas novidades pairavam espiraladas em sua mente. Deveria voltar aos bancos escolares? E, se aluno quer dizer aluminae (sem luz), deveria procurar a tal sabedoria que ilumina? Ela, que se julgava uma profissional há tanto tempo? Está na hora de voltar a pensar.
Algumas das imagens apresentadas eram registros visuais que Fu Lana sempre inseriu em seu vocabulário na categoria "expressão". Ela sempre fora uma expressionista. Um vestido de rosas de pano, quase uma pintura flamenca materializada em um desfile de modas foi ridicularizado. "Como ela, a modelo, poderia comodamente ir ao banheiro?" Vidal deixou aquela impressão de que qualquer insinuação fica ao encargo do ouvinte. E a responsabilidade pelas interpretações também.
Fu Lana já não sabia mais se estava ouvindo ou se estava interpretando mal as palavras que literalmente desabavam do estudioso a sua frente. Esperou o momento do debate, para ver se melhorava, contribuía com dúvidas, elogios ou ofensas. Queria sentir-se viva. Quando ia tomar fôlego, o professor citou ter lido um livro com não-sei-quantas-razões-para-não-se-começar uma-discussão-sem-se-ter-razão, ou quase isso. Em suma: a desarmou. Através de sua prática em oratória, técnicas bem-aplicadas de empatia, mesclando ataques e defesas simultâneos inseridos cirurgicamente em uma seqüência planejada, Luiz Vidal monitorou o sentimento de Lana e o de todos os presentes. Aquele era realmente um palestrante profissional.
Provocada a mais não poder, Fu Lana devorou na semana seguinte os dois livros de Vidal e pôde assim encontrar algum alento. Um deles recupera as falas de Rui Barbosa, um brasileiro que recomendava o desenho como única saída para um país subdesenvolvido como o Brasil, isso já em 1865, com um discurso atualíssimo. E o outro, sobre a criatividade, como se estimula, sob que teorias de didática, da identificação do problema aos resultados. Ambos muito úteis, na prática. Fu ficou mais confiante. Sua mente ainda dava sinais de vida.
Livros:
Desenho,
um revolucionador de idéias [120 anos de discursos brasileiro], Rui Barbosa.
Criatividade,
Projeto ?desenho? produto, Luis Vidal Negreiros Gomes. Ambos da Editora sCHDs.
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