Algumas notas

       Eu quero ter um milhão de amigos/        E bem mais forte poder cantar        (Roberto e Erasmo Carlos)&n


       Eu quero ter um milhão de amigos/


       E bem mais forte poder cantar


       (Roberto e Erasmo Carlos) 


Comprei um apartamento em Copacabana, em 1969, e como o preço estava abaixo do valor do mercado, procurei o síndico para saber o que havia de negativo.


Nada, apenas queriam vender rápido.  Comprei.


Hoje, aquele síndico com quem troquei muitos papos tem um busto na  Praça Eugênio Jardim, a uns 100 metros   do nosso edifício. O acaso me apresentou o compositor e maestro Francisco Mignone, uma de minhas primeiras irações na música brasileira.


Nos últimos anos da década de 1960, um grupo, principalmente de publicitários,  mantinha uma rede de vôlei na praia, divisa de Ipanema com o Leblon.


Entre eles, Franco Paulino e seu patrão, Macedinho (Luiz Macedo, um dos M da MPM Propaganda) com quem estive antes da venda da maior e milionária agência brasileira. Ele, é claro, não abriu o bico sobre o que aconteceria dois dias depois. No caso, estava mais mineiro que gaúcho.


A sede da rede - que a gente chamava de Assef Praia Clube - era na garagem casa do publicitário Osvaldo  Assef, que se desligara da MPM paulista para dirigir a Publicibrás e que me levara para trabalhar com ele  - a gente se abastecia com batidas, cervejas e uísque.


A Publicibrás deixou de existir, e eu fora empacotado para a Standard Propaganda, do também empresário da mesma, Cícero Leuenroth, um tycon da área.


João Carlos Magaldi viera de São Paulo, atendia à Shell e, pouco depois, assumia a gerência.


Carlos Prósperi, diretor de arte, viera com ele e também jogava o nosso vôlei de sábados, domingos e feriados.


José Monserrat Filho, gaúcho que voltara de Moscou advogado (Faculdade Patrice Lumumba), que, por discriminação ideológica, não conseguira recuperar o emprego de jornalista nas organizações Caldas Júnior, iniciou brilhante carreira na Propaganda, acolhido por nosso amigo comum, o Faveco (Flávio Correa), que dirigia a filial da Standard no Rio Grande do Sul.


Por motivos circunstanciais - colocar ordem na zorra -, Magaldi pediu que eu, então contato, chefiasse temporariamente a Criação. Pedi ao Faveco que liberasse o Monserrat para trabalhar conosco no Rio, divertir-se na Rede e, abstêmio, justificar a presença de refrigerante naquela garagem. Anos depois, Mon, que fundaria o Clube de Criação do Rio e seria o seu primeiro presidente, voltou à imprensa dirigindo publicações científicas da SBPC - Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência - e, atualmente, está em Brasília chefiando a Assessoria de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia. Onde esteve, está ou estará, desde 1957, Mon e eu somos amigos definitivos.


Ponteio, de Edu Lobo e Capinam, acabara de vencer o festival de MPB da paulista TV Excelsior. Era 1967 e eu acabara de pedir que acertassem as contas de um redator que comprovei ser a Central de Fofocas da agência. Trouxemos Capinam para a Standard e para a Rede, ele que seria o letrista de Soy loco por ti, America, parceria com Gilberto Gil, e de outras dezenas de músicas, como Maria e Coração Imprudente, com Paulinho da Viola.  Poeta, médico, figura marcante no Centro Popular de Cultura e no movimento tropicalista, publicitário e Secretário de  Cultura do Governo da Bahia, Capinam, por onde a, deixa um rastro de sensibilidade, lucidez e criatividade. Capinam, na Rede, levou e nos apresentou Paulinho da Viola, depois parceiro de sinuca no primeiro e lendário endereço do Lamas.


O peladeiro Chico Buarque conformava-se em jogar vôlei, mas era assíduo na geladeira da garagem e foi quem me apresentou o Toquinho no Antonio"s, depois grande parceiro de Vinicius, que eu já conhecera em Montevidéu. Para o poetinha, eu era o Almeidinha.


Nelsinho Motta, que criou As Frenéticas e inventou o Pão-de-Açúcar como palco musical, não gostava de praia, mas era bom de copo e ia enriquecer o nosso papo, assim como, às vezes, Sérgio Porto - o grande Stanislaw Ponte Preta - e o gaúcho amigo que dirigiu O Pasquim, Tarso de Castro.


Eu, quando em Porto Alegre , já conhecera Vinicius, convivi com Zé Gomes no Equipe, e Rui Barros compa as músicas para a minha peça O Despacho, entregara para Elis Reginsa o primeiro troféu de sua vida - o Jota Bronquinha, promoção da Última Hora local -, revisara e publicara a autobiografia de Lupicínio Rodrigues, jantara com Maysa no Treviso - debaixo de uma cadeira pendurada na parede e onde uma placa dizia haver sido ocupada por Chico Alves, o Rei da Voz -, tomara um conhaque na cantina da Reitoria com Dorival Caymmi, promovera para a UH o primeiro show de bossa nova no Sul, quando conheci Paulo Moura, Miéle e outros, e estivera com Sílvio Caldas em seu sítio de Atibaia, era um completo estranho no meio da música.


Foi a partir da primavera de 1963, em minhas andanças pelo Rio e pelo Zicartola, prosseguidas no Carnaval de 1965, quando me mudei para cá pela segunda vez, que comecei a conhecer, conviver e até fazer grandes amizades com alguns dos maiores nomes de nossa MPB. 


Uma delas - começou mesmo na Casa da Lídia e Osvaldo Assef, Paul Redfern, 13, Ipanema, onde nasceu a hoje prestigiada jornalista André Assef - foi a de Irineu Garcia, estendeu-se pelo Antonio"s e continuou até sua morte em Lisboa, onde o visitara algumas vezes.


Apesar de não jogar vôlei e de ser bem mais mais idoso que todo o time, Irineu era o nosso patriarca e tinha uma cadeira de balanço cativa na garagem cheia de  banquinhos.


Irineu, um apaixonado por música e literatura criou, ainda na década de 1951, a etiqueta Festa que, até o final dos anos 1960, produziu mais de cem discos, entre os quais o primeiro registro sonoro da bossa nova,  o LP Canção do Amor Demais, onde Elizeth Cardoso cantava composições de Tom e Vinícius, acompanhada pelo violão e pela batida inconfundível de João Gilberto.


Alguns dos principais poetas de língua portuguesa e espanhola - Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Lorca, Gabriela Mistral e Pablo Neruda - tiveram seus poemas declamados em LPs da Festa e todos, quando vivos, ditos pelos seus autores, sendo que o de Pablo Neruda foi gravado em Santiago.


O Brasil deve a Irineu a grande delicadeza de haver dado a Fernando Sabino e Rubem Braga a edição, em espanhol, de Cem anos de solidão, do colombiano Garcia Márquez. Esses escritores, donos da Editora do Autor, mandaram logo traduzir e lançar no mercado brasileiro o livro que daria a García Márquez o Prêmio Nobel de Literatura.


O impacto dessa leitura foi tão grande que comprei 10 exemplares e dei a alguns parentes e amigos mais próximos. Mas o livro e o Zicartola são outras histórias.


Inté.

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Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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