Alberto André

Alberto André agora é nome perpetuado em uma travessa da cidade. A homenagem faz justiça à sua história como jornalista e à sua dimensão …

Alberto André agora é nome perpetuado em uma travessa da cidade. A homenagem faz justiça à sua história como jornalista e à sua dimensão como líder de classe e defensor dos direitos humanos e liberdade de expressão.


Pode-se argumentar que, ao tempo do Estado Novo, André foi funcionário do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, mas oxalá todos os censores fossem como ele, poupando jornais de empastelamento e prevenindo colegas sobre sua prisão iminente. Era a contrapartida de se dizentes "jornalistas" que vazavam para a polícia política matérias do desagrado das ditaduras vigentes, como aconteceu muitas vezes com o Diário de Notícias e, mais recentemente, com o Correio do Povo, na apreensão da histórica edição de 20 de setembro de 1972.


A atuação de Alberto André, ao longo do regime de 64, pautou-se pelo mesmo diapasão: coragem sem temeridade para fazer o possível e, principalmente, evitar o dano maior. Era o objetivo das suas visitas aos colegas presos como contestadores do regime, pois, como o presidente da Associação Riograndense de Imprensa que pacificara a categoria, transitava por toda a parte com acatamento e respeito.


Qualquer ditadura, por mais feroz que seja, sabe de sua transitoriedade e que acabará prestando contas de seus atos.  A impunidade reinante no Brasil não invalida esta certeza porque a História é o juízo final de qualquer época.


André lidava com tal medo, facilmente confundido com generosidade, de quem usurpa o destino de uma sociedade. Algo parecido com a Síndrome de Estocolmo. A visita e as manifestações de solidariedade aos jornalistas presos era a muda advertência que fazia, com seu testemunho, de que o futuro é inexorável e está começando a cada momento.  Nas vezes que eu o acompanhei, vi comandantes de quartel, com seu porte atlético adquirido nas academias militares, assegurar àquela figura frágil, de pouco mais de um metro e sessenta de altura, que "seu companheiro" estava a salvo de qualquer excesso físico ou moral e assim seria devolvido à liberdade.


O caso que tenho como o mais marcante, protagonizado por André, me foi contado por Érico Veríssimo, fevereiro de 1968, quando o entrevistei para a revista Cláudia.


Pouco depois de instaurado o regime militar, em 1964, aconteceu o encarceramento do escritor e diretor da Biblioteca Pública de Porto Alegre, Reinaldo Moura, dentro do mesmo ridículo da ordem de prisão para o dramaturgo grego Sófocles ou a apreensão do romance "O vermelho e o negro", de Stendhal. É que na esquina da Borges com Andradas, batizada a partir dos anos 80 de Esquina Democrática, fora distribuído um manifesto mimeografado contra a ditadura, cuja datilografia podia ser identificada sem margem de erro como saída de uma Royal portátil que a Livraria do Globo vendia aos balaios, em suaves e intermináveis prestações.


O que estava por trás da prisão de Reinaldo Moura? Naquele Armagedon patusco, de vizinho denunciando vizinho porque desagradava volume do aparelho do som, era difícil descobrir. Alguém que lhe cobiçasse o cargo? Inveja pura e simples do seu prestígio como intelectual? Desafeição pessoal? O pretexto para prendê-lo é que era dono de uma Royal daquelas e, portanto, o autor do manifesto.


Érico foi logo comunicado da prisão pela família de Reinaldo. Imediatamente entrou em contato com André, que marcou audiência com o general Justino Alves Bastos, recém-empossado no comando do III Exército.


Foram os dois ao quartel-general. Recebidos na ante-sala pelo tenente ajudante-de-ordens de Justino,  começaram a se entreolhar, preocupados com a demora em serem atendidos, pois haviam chegado na hora marcada. Após angustiante espera, o ajudante-de-ordens solicitou que assem ao gabinete. As portas se escancararam e mostraram o comandante e a oficialidade do III Exército de pé, aplaudindo as duas personalidades, Justino ainda estampando  um largo sorriso de boas-vindas.


Reinaldo foi libertado em seguida. Já era um homem doente e faleceu no ano seguinte.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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