Ainda vamos rir de tudo isso…
Críticos de cinema são muito quadrados: dito de um diretor de cinema, muito gaúcho e muito jovem. E existem ainda críticos de cinema?, pergunta …
Críticos de cinema são muito quadrados: dito de um diretor de cinema, muito gaúcho e muito jovem. E existem ainda críticos de cinema?, pergunta Fu Lana, provocando o rapaz. A resposta é sim, claro. No centro do país.
Por aqui, prossegue ele, quem comenta cinema o faz com base no gostei e não gostei, o que, aliás, diz preferir: afinal, são opiniões de pessoas normais. Fu Lana está incluída nesta turma de opinativos despreparados.
Aí vai mais uma pá de achismos, para quem gosta de conversar depois de um filme. Ela disse bem: depois de um filme. Porque ir ao cinema, após ter lido tudo sobre a obra, é desfazer a surpresa, o susto, a graça, diminuir a força do inusitado, além de destituir de encanto qualquer efeito residual, ou seja, o que pode sobrar na memória.
Imagine você que um amigo seu, alegre e energético, poderia estar conversando em um minuto, e, no outro, estar durinho, ensangüentado, mortinho da silva. Se ele fosse o mocinho de uma história de cinema, certamente não morreria, é o que você poderia estar pensando. Afinal, o cinema enrola, e o mocinho é espancado, entortado, costurado e apagado, mas sempre retorna para dar aquele texto fatídico, que fica para a história. No mínimo, em nome do alto cachê.
Um mocinho de um filme, mesmo em trabalhos contemporâneos, jamais desaparece assim, de surpresa, deixando pasmos todos os espectadores, que obviamente, nunca poderiam imaginar que pudesse ser retirada da cena uma figura tão carismática, com um grande papel, digna de estar citada no cartaz de divulgação. Isso vale para todos os filmes, menos para o filme dos irmãos Coen. Eles retiram dos personagens a imortalidade da fama.
Se um personagem estiver com uma arma na mão e, em nome da veridicidade, o cara levar um susto, provavelmente esta arma poderia disparar e? adeus, mocinho bem pago. Ao entender de Fu Lana, esse é o exercício máximo de aproximação da ficção do cinema ao drama da vida real. Nenhuma vida sobrepõe-se ao verdadeiro risco de morrer. A morte casual, não esperada, por acidente ou por erro, no caso dos Coen, principalmente por erro, é freqüente na realidade, e por que não o seria no cinema? O mais espantoso é que o filme continua mesmo sem o astro, assim como a realidade segue, independentemente da importância do morto.
Fu Lana imagina aqueles caras escrevendo o roteiro: e daí ele poderia morrer. Como morrer? Agora? Sim, levar um tiro, assim de repente para deixar todo mundo de cara. Que tal? Boa. Põe aí.
Outra qualidade dos irmãos Coen é eles consideram que a maioria das pessoas está fora da casinha, e que vivemos entre vários malucos, pretensos seres humanos centrados. Os centrados, no filme dos irmãos Coen, são exatamente os que estão ainda mais prá lá de Bagdá. Não têm carisma, são errados mesmo. Sem essa de todo mundo ter o seu lado vencedor. Isso é papo de curso de auto-estima. Existem umas figuras que, mesmo que tentem ao máximo, vão sempre fazer um raciocínio errado e pisar na bola, na primeira oportunidade. Assim pensam os irmãos Coen e interpretam essa realidade no cinema.
O hilário é que as pessoas normais pensam que tudo que aprenderam no cinema até hoje vai fazer delas heroínas, ou que vão virar aquela situação péssima só com a força de vontade. Especialmente, depois de uma frase de efeito.
No filme Queime depois de ler, a sucessão de seqüelados supera a provável existência de alguém que ainda possa ser super. Não há mais supers, nem heróis nem seres humanos, no estricto sensu da palavra. As pessoas, todas normais, são cheias de problemas, e por isso mesmo, são normais. O normal é ser meio pirado. Fu Lana, por exemplo, é normal.
No entanto, o que sobra na tela dos Coen, e que não é tão facilmente encontrado na terra dos homens, é o humor. A capacidade de rir das próprias gagues, das hilárias tiradas de gente desatualizada, que vive ainda com a mente na guerra fria. Gente paranóica, doida e instável psicologicamente. São as situações de excesso que se tornam ridículas principalmente se comparadas com os antigos conceitos de normalidade. O pior é que são cenas possíveis. A loucura é perfeitamente possível. Cada figurinha contribui para a loucura generalizada. Na vida real, melhor rir disso no cinema, enquanto não estivermos literalmente na tela.