Agosto

Agosto esvai-se em seus últimos dias e deixa cada vez mais distante o mito de ser o mês das crises na política brasileira. Como …

Agosto esvai-se em seus últimos dias e deixa cada vez mais distante o mito de ser o mês das crises na política brasileira. Como se fossem apenas episódios periódicos sazonais e não um único confronto nascido ainda ao tempo de D. João III, entre donatários de capitanias, os já estabelecidos e os que querem se estabelecer. A tudo o povo tem assistido embasbacado, e não só na Proclamação da República, como registrou Aristides Lobo, sem nada a ver com calendários.


Já ouvi e li muitas teorias a respeito, quando o mito, tido como verdadeiro, era objeto de "sérias" elucubrações universitárias, hoje banquete das traças nas bibliotecas. A tese mais confortadora ao materialismo histórico em versão cabocla - isso também existe - foi a que circulou ao tempo da renúncia de Jânio Quadros, de que agosto era o mês da comercialização da safra de café e a briga pelo financiamento do Banco do Brasil sacudia a República.


O café cedeu seu "status" de primogênito na economia brasileira e nem por isso perdeu-se o hábito de querer depor governantes. Claro, agora tudo dentro do figurino legal - a nossa moda mais recente - como aconteceu com Collor, e que se presta muito a chantagens políticas, das quais Lula foge como o vampiro diante da cruz e do dente de alho, partilhando o governo geral com seus inimigos de infância.


A todas essas, agosto fica na lembrança pelos esquecimentos. Ninguém mais fala que o Getúlio daqueles dias era uma figura solitária, seus adeptos mais próximos entontecidos no redemoinho do "mar de lama", ele enfrentando de peito aberto o canhoneio que juntava todos na mesma trincheira, da extrema esquerda à extrema direita, Prestes justificando que era para não entregar aos lacaios do imperialismo norte-americano (leia-se Lacerda) o comando da crise. No próprio dia 24 de agosto de 1954, a imprensa dita popular pedia a deposição de Getúlio. 


No meio de tanta indignidade, o único gesto digno, o suicídio, dissecado em um livro magistral do qual também não se fala mais e quase ninguém conhece: Lições da crise, de Hermes Lima.


Lições, aliás, que parecem não ter servido para nada. Getúlio hoje é apenas bandeira, espólio, brasão ostentado pela mesma sede de poder que esteve na raiz da sua tragédia.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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