Acredite, os ratos riem da nossa cara

Foi preciso muitos anos de psicanálise, foi preciso ler Marx nas entrelinhas, ler Nietzche, ler Sócrates e Platão, a Bíblia e depois meditar. Mas, …

Foi preciso muitos anos de psicanálise, foi preciso ler Marx nas entrelinhas, ler Nietzche, ler Sócrates e Platão, a Bíblia e depois meditar. Mas, sobretudo, foi preciso refletir ao longo do tempo para finalmente suspeitar que a mensagem que ouvia quando criança, na realidade, tratava-se de mais uma misteriosa metáfora. Indecifrada, ela varou os tempos oculta em sua forma inocente e, para o meu espanto, seu conteúdo carregava profundas implicações morais e sociológicas. Por sua riqueza de interpretações e permanência histórica, a mensagem enigmática trouxe consigo a resposta que, no meu modesto entender, pode ser o clarão nas trevas da nossa ingenuidade e ignorância. Vejamos, tentem me acompanhar, por favor, não será difícil agora que puxei o fio da meada.


Observe: o rato roeu a roupa do rei de Roma, a rainha de raiva rasgou o resto. Convenhamos, estava caindo de maduro este tempo todo. O rato, figura simbólica do ladrão, furtivo, age em grupo e nas sombras. Sempre atento para não ser pego, esgueira-se maliciosamente até conseguir seu objetivo que seria, portanto, roer a roupa do rei de Roma, certo? Errado. Ele, o rato, na verdade, roeu a roupa do rei para disfarçar, para fazer cortina de fumaça. Seu projeto sempre foi mais ambicioso. O rato, o ladrão como já se disse, liderou um grupo, ou seja, uma quadrilha, não para roer, mas para roubar. Roubar as roupas do rei? Suas ceroulas? Seu manto? Ora, não me faça rir. Isso é uma ninharia comparado com o que existe nos cofres do rei. O ladrão queria as riquezas acumuladas com dinheiro dos impostos do reino.


E como ele fez? Qual foi o seu modus operandi? Primeiro infiltrou-se no senado de Roma e logo costurou alianças políticas. Assim, construiu uma rede de "cooperação" com outros ratos que ocupavam cargos relevantes. Rapidamente formaram diretorias e comissões especiais com nomes pomposos, para não dizer gongóricos e até mesmo risíveis. Sim, porque, em grande parte, os ratos vieram dos seus esgotos, sairam da escória, são falcatruas, chinelões, não sabem nem fazer a sacanagem parecer mais crível. Mesmo assim criaram centenas de comissões e diretorias extraordinárias, chefias e superintendências, todos amparados pelas leis criadas pelos senadores, os primeiros ratões a chegar. Mas, afinal, quem são os Senadores de Roma e o que a eles cabe fazer?  Toda Roma está nauseada de saber que eles não fazem nada, além de encherem os bolsos e o saco do rei, respectivamente. am a maior parte do tempo fazendo tenebrosas transações. Chantageando, elaborando dossiês, escutas telefônicas clandestinas, costurando intrigas e novas alianças para ocuparem cargos estratégicos e até mesmo ministeriais.


Mas, então, como assim: não fazem nada? Fazem leis e decretos para gastar o orçamento do Senado de Roma que, em larga escala, escoa para pagar os ratos, os amigos dos ratos e os amigos dos parentes dos ratos, enfim, a dinheirama toda é roída pelas ratazanas. E o rei, não pode fazer nada? Não, não pode fazer nada. Em Roma, a lei prevê o roubo legal. Está tudo na Constituição reescrita sob a liderança de Rufo, um ratão do bem, histórico, e os deputados constituintes da Câmara Federal de Roma.


Rufo, romântico e revoltado, dedo em riste, rosnou, rugiu, rebateu, reagiu, mas a ratatulha representativa referendou as resenhas reservadas às suas razões, os ritos e os reparos, refazendo as regras e o rumo das riquezas. A Rufo, por razões retumbantes, restou o reconhecimento ramificado nos recônditos de Roma e até mesmo em Roraima.


Ratos roubam e se refestelam à revelia do risco. Se ratos recriminados são revelados em rede nacional, não respinga. Ratos são refratários a reportagens, reações, rumores e reprimendas. E se ficar russo? E se ratos  rotulados e recorrentes, reclusos, são rigorosamente reprocessados? Rato que é rato não se recalca nem regurgita; recupera-se rapidamente, refeito ressuscita e retorna rutilante. Rá, rá, rá, rir é o melhor remédio. Ou rir ou tomar Ri do Rato (marca de veneno para ratos à venda nas boas casas do ramo).

Autor

Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). É pai de Gabriel Nunes Aquino.

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