Acostume-se a customizar
Antes da população regional virar superpopulação mundial, toda pessoa nascia customizada. Isto é, vinha com sua índole, sua personalidade, seu temperamento. Um mix de …
Antes da população regional virar superpopulação mundial, toda pessoa nascia customizada. Isto é, vinha com sua índole, sua personalidade, seu temperamento. Um mix de traços e tiques próprios que, bem ou mal, a distinguia do rebanho. Tava na cara que era um indivíduo. Bastou o rebanho virar manada e viramos nada. Isto é, cara dum, focinho de outro, rabo deste aqui, patas daqueles lá. Do brete das convenções ao abatedouro do caráter, as manias e os costumes deixaram de identificar um a um, e a gentarada ou da despersonalização à estereotipização. Uma espécie de código de barras no espírito, na atitude, na aparência. Isto é, a pior das igualdades. Até que surgiu a customização, sei lá onde, sei lá quando ou com quem. Ela, qualquer customizado aí sabe muito melhor que eu, é aquilo que a sociedade de consumo propõe para diferenciar tribos e tribos. Isto é, embora não consiga desigualar seres humanos no varejo, o faz no atacado. Faz na aparência, faz no comportamento, faz na propriedade. Bem feito pra todos. Hoje em dia, e à noite mais ainda, a customização é um pobre luxo que todos se dão, sedados pela onda ou não. Customizar-se é fácil, simples, rápido. Requer só inabilidade e impulso. Isto é, basta querer. As possibilidades possibilitam tudo. Pra começar, se pode customizar o corpo. Cortes de cabelo e penteados e bigodes e barbas e depilações, e a customização capilar está feita. Piercings e tatuagens customizam a pele, que até então era customizada pela luz solar e doenças infantis e, claro, eventuais cicatrizes. A própria miscigenação e a loteria do DNA produzem customizações de todas as cores. Isto é, raças e etnias são as customizações da natureza. A aparência é a área que mais recursos e apelos ganhou pra customizar. O vestuário e os órios já vêm estraçalhados de fábrica, com manchas e rasgões, a destruição do estilo melhora o estilo. Cada quarto de jovem virou um ateliê, nada mais fashion que a intervenção. Isto é, se não for do ramo. Daí em diante, se pode customizar tudo. A linguagem, com sotaques televisivos, prosódia de ouvir dizer, timbres maneiros, gíria de minorias ou cursos lingüísticos mal-aprendidos. O comportamento, com imitação de ídolos e celebridades desta quinzena. A vida sexual, com opções que vão do homo ao bi e do hetero ao tri, com a conseqüente customização do prazer. Isto é, pra ser mais você, você pode até deixar de ser você mesmo. Carro, casa, família, trabalho, tudo pode ser customizado numa boa. Aliás, é esperado que você faça isso. Quanto mais estranheza, mais individuação. Isto é, chame a atenção nem que não seja chamativol. E quem quiser ser definitivamente radical, pode customizar o caráter. Assumir postura ética, adotar princípios, exibir honestidade - imagine! Mas, veja só. Tentei e não consegui customizar este texto. Continua sendo o humorismo sem graça de sempre. Isto é, tsk, tsk, tsk. |
![]() |
![]() |
![]() |
Tipos e tipas
Ela era da pá virada. Ele, um picareta. Ele tinha fundos e meios. Ela era superficial e Ele era um diamante bruto. Ela, pérola falsa. Não deu Eles foram feitos um para o outro. Ele, um cavalo vestido. Ela, uma vaca de presépio. Ela, jararaca do subúrbio. Ele, zelador do Butantan. Ele, imbecil de marca maior. Ela, designer sem talento. Ele, vinho de outra pipa. Ela, cachaça de outro alambique. Ela, flor que não se cheira; Ele, vaso ruim. |
![]() |
![]() |
![]() |