Abra o olho

Semana pesada, a que está terminando. Não fosse a Feira do Livro para me distrair um pouco, estaria, com certeza, bem mais aborrecida. Afinal, …

Semana pesada, a que está terminando. Não fosse a Feira do Livro para me distrair um pouco, estaria, com certeza, bem mais aborrecida. Afinal, foi a semana em que voltamos a tomar conhecimento de que aquele monstro que,  por 20 anos, andou comendo gente por este Brasil inteiro, saiu do  buraco do inferno onde achávamos que tinha se enfiado e voltou a atacar. Se a coisa andar por este rumo, acho bom os veículos começarem a selecionar receitas de comida para encher suas páginas, como se fazia "naquele tempo".


O episódio do interrogatório de jornalistas da revista Veja na Polícia Federal é lamentável sob todos os aspectos, o mais grave deles, na minha modestíssima opinião, o da intimidação. Ainda mais sabendo-se que este governo que está em Brasília - e a PF é motivo de orgulho de Lula, que usou a realmente louvável eficiência da entidade sob sua gestão - é composto por muita gente que  brigou pelo final do regime de exceção em que a censura foi a face mais arrogante das execuções sem arma. Com a censura, não só se calou quem podia levantar uma ponta do tapete que soterrava o pavor mas, acima de tudo, o poder conseguiu, didaticamente, incutir pavor nos que podiam botar na rua este mesmo pavor. Não dá para entender que, sob um governo de propaladas bases revolucionárias (meio roídas pela vontade de ficar no poder), o caminho para combater supostos equívocos seja o da repressão ameaçadora e não o do diálogo, ameno ou áspero.


Acho que Veja, realmente, tem subido o tom a cada edição com suas denúncias e indignação. É do jornalismo e da comunicação social em geral a possibilidade de erro - a mesma Veja, não dá para esquecer, crucificou Ibsen Pinheiro, a Folha de S. Paulo foi punida pela maldade levantada contra a Escola Base e por aí vamos -, o que não tira a responsabilidade de qualquer dono de veículo e seus jornalistas de buscar, sempre, a correção. Reconheço muitos exageros até no estilo do texto atual de Veja, porém nunca vou deixar de reconhecer o direito da publicação em expor sua cara com franqueza. De qualquer publicação, aliás - Carta Capital, embora viva se defendendo e alegando imparcialidade, caminha na direção oposta, como fiel defensora do governo Lula. São opções e devem existir. Acontece que, quando se chega ao ponto de chamar jornalista para depoimentos policiais, é sinal que está havendo algum grande problema no tal processo democrático tão amplamente embandeirado pelo presidente reeleito durante sua campanha pelo segundo mandato.


Nós, jornalistas, não somos os tais donos da verdade. Nos equivocamos, captamos sinais muitas vezes mal-emitidos e, pior, mal absorvidos. Em geral, somos campeões de nos justificar, alegando pressa, necessidade de tocar informação na rua antes que o mundo acabe e outras manhas. Está havendo uma síndrome de denuncismo que não respeita aquela regra básica de ouvir os dois lados da questão. Mesmo assim, diante do que aconteceu com o pessoal da Veja, penso que é bom abrir o olho. Estamos cercados de propostas caudilhistas de governo, um ufanismo grudento está querendo se firmar aqui e ao lado. Jornalista é bicho que incomoda. É tempo de parar, pensar e agir com aquilo que os truculentos não têm: inteligência.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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