Abaixo, a greve

Abaixo dos mais baixos níveis desnivelados dos ganhos parcos, sob o subsolo dos pisos salariais bem pisoteados, no oposto do suposto teto, lá no …

















































Abaixo dos mais baixos níveis desnivelados dos ganhos parcos, sob o subsolo dos pisos salariais bem pisoteados, no oposto do suposto teto, lá no fundo das mais profundas reivindicações fundamentais, negadas sem fundamento, abaixo disso tudo está a greve - sentada sobre as molas tensas do descaso oficial.



Abaixo dos baixios da periferia, em subcondições de vida e de moradia, sob a desesperança do subemprego e debaixo do desespero da exploração terceirizada ou da terceirização exploradora, tanto faz, está a greve, germinando nos subterrâneos subordinados à miséria social.



Abaixo da baixaria dos discursos corporativistas em câmaras municipais, estaduais e federais, em defesa da própria classe com maioria de desclassificados, que se premia com bônus e abonos diante do povo de mãos abanando, abaixo dessa indiferença pelos desfavorecidos de tantas atividades que nem merecem o nome de trabalho, está a greve, cansada de reagir ivamente a cada auto-aumento vergonhoso desses privilegiados.



Abaixo das baixezas em expedientes árduos e insalubres, em ambientes impróprios, impuros, imperativos e imperialistas, onde só ecoam impropérios por jornadas impagáveis em seus direitos imperfeitos, em que se impõem e se impelem impolutas aspirações de melhorias mínimas, sob tais camadas de desprezo funcional está a greve, apta a reclamar por ser ouvida em vida.



Abaixo da baixada fluminense ou santista, abaixo de todas as baixadas regionais, sob as solas das eatas e sapatos dos protestos de tanta gente querendo justa revisão de índices há tanto agachados, sob o esmagamento contínuo do poder aquisitivo, está a greve, ainda cabisbaixa mas muito a fim de dar a volta por cima



Abaixo das baixelas das elites, dos abacaxis nos canapés, sob o gozo do neoliberalismo globalizado, rebaixada a capacho da concentração de riqueza, lá no porão onde a luz do sol da pátria neste instante nunca chega a clarear os desvãos da distribuição de renda, está a greve, de avental engomado e dedos nodosos tamborilando em balcões de mármore.



E acima da greve, a contrapartida das inegociações: o direito a ela.



O sonambulismo é uma doença que preocupa.
Mas não chega a tirar o sono.



Além da degeneração física, a progeria aflige
sobretudo a expressão "a vida é curta".



Antigamente, pensava-se que a rinite atacava os rins.
Até que a medicina percebeu o erro etimológico.



De todas as ditas doenças mentais,
a cleptomania certamente é a mais lucrativa.



A ciência procura incansavelmente
a cura para todos os males.
No caso do priapismo, bem que podia descansar.



Surpreendentemente,
a piorréia não inflama as piorras.



Mudaram o nome da azia para refluxo.
Agora, além do fogaréu na garganta,
se padece de eufemismo na língua.



Músicos percussionistas preferem sofrer
de taquicardia que de disritmia.



As maiores vítimas da flatulência não são
os próprios flatulentos.
São os usuários de elevadores.



A hipocondria causa dependência química
de diagnósticos.



Dipsomaníacos são pacientes:
chegam a esperar 12 anos
pelo envelhecimento do remédio.



Recordar é viver.
Enquanto o Mal de Alzheimer não vem.



Etc.


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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