A volta do poderoso sinhozinho

Ninguém disse nada, mas poderia dizer: em vez de cobrar um filme ou romance sobre a podridão política brasileira, por que eu mesmo não …

Ninguém disse nada, mas poderia dizer: em vez de cobrar um filme ou romance sobre a podridão política brasileira, por que eu mesmo não saio no braço? Cada um filma ou escreve sobre o que bem entende. Se meu negócio são poemas líricos, devo continuar impávido nos poemas líricos, mesmo que o Sarney tenha trigêmeos (já nomeados) ou que Renan Calheiros faça uma imitação impagável de Joe Pesci tendo um surto. A gente não corre atrás dos temas. É o contrário, todo mundo sabe, mas tende-se a esquecer em tempos difíceis, os anos da ditadura. Confere?
Mas não estou cobrando nada de ninguém, apenas me espanto com o fato de um país tão grande não ter nenhum cineasta ou escritor para quem o crime organizado seja o grande tema. Me espanta também não termos estômago de legista nem a desenvoltura e o prazer dos grandes contadores de histórias. Talvez se sociólogos, psicanalistas e antropólogos se reunissem pudessem nos dar uma explicação razoável. Eu tenho uns palpites, mas, como dizia o Barão de Itararé, palpite só no prado. Está mais do que na hora de gente competente fazer uma pesquisa para valer sobre isso.
Eu me interesso por crimes e situações burlescas. Teoricamente, poderia encarar um romance sobre a ascensão e queda de um presidente do Senado. Mas me falta talento, claro, sem falar que de Brasília só conheço o aeroporto, à noite, pela janela do avião, quer dizer, um monte de luzes ofuscantes. Também não sei se assistir à TV Senado é suficiente. Alguma intimidade direta com os personagens e o cenário me parece fundamental.
Inspirado pelo mensalão, esses tempos me arrisquei a escrever uma peça de teatro. Foi um parto. Gostaria muito de dizer que me saí melhor que o Nelson Rodrigues, mas consegui, no máximo, escrever uma espécie de episódio dos Simpsons. Convenhamos, isso mal dá pro gasto.

A netinha
Vi uma foto de Maria Beatriz Sarney, a moça que pediu ao vovô uma mamata para o namorado. Uma graça: alegre, cheia de energia e morena - isso mesmo, morena num tempo em que as loiras se multiplicam como se uma calculadora tivesse enlouquecido. Me dei conta, mais uma vez, de como é fácil acreditar na inocência de gente bonita. Ou deixar a culpa pra lá. Para o bem e para o mal, nossa razão não trabalha sozinha, mas com inúmeros parceiros, que vão do coração ao intestino grosso, ando por glândulas emboscadas em lugares de que poucos médicos ouviram falar.
Familiares
Quando vejo gente acusada de crimes, fico pensando na família. Como o sujeito encara o pai e a mãe? Como encara a mulher e os filhos? Agora, vendo os Sarneys - filhos, netos, genros, noras - nadando de braçada, digamos, para usar as imortais palavras do Lair Ferst, outro pego pela Polícia Federal nadando de braçada, tenho de incluir alguns elementos novos na minha preocupação.

Advogados
Um advogado, mesmo quando defende o pior assassino, tem um papel digno: fazer a crítica das provas. Mas vendo a cara de pau de advogados de corruptos esgrimindo tecnicismos marotos e espalhando versões truncadas, lembro daquela famosa frase de Dom Corleone: "Um advogado com sua pasta pode roubar mais que mil homens armados".

Fraude no Detran
Ninguém contesta o sumiço dos 44 milhões. A graça está em que todos os acusados são inocentes. Todos. Mesmo pegos pela palavra, nas gravações da Polícia Federal, continuam clamando inocência. O crime só não compensa pra idiotas como nós, contribuintes.

Indignação no Senado
Vossa excelência tem um rabo preso muito mais comprido que o meu!

Biografia
Gozado, os que mais se preocupam com a biografia do Sarney, como o Lula, são os mesmos que menos se preocupam com a própria.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. ou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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