A trilha sonora da primavera
Tem tanto sabiá aqui onde moro que qualquer dia a caça vai ser liberada. Acordo sempre com pena: o Rubem Braga nunca ouvirá as …
Tem tanto sabiá aqui onde moro que qualquer dia a caça vai ser liberada. Acordo sempre com pena: o Rubem Braga nunca ouvirá as manhãs do meu morro. A pena é maior se penso que, ao contrário do velho Braga, não sei o que fazer com todo esse canto, fora ouvir.
Anteontem e hoje
Dias desses, num ônibus, ouvi um menino de uns oito anos chamando o colega: Ícaro. Caramba, que mãe, nos dias de hoje, chama o filho de Ícaro? Pobre criança, poderia se chamar Maicon, Éverton ou Djom. Ícaro não pegava bem nem no tempo em que os cachorros se chamavam Rex, Tupã, Piloto, não Toby ou Spike. Nesse tempo a moda eram nomes bíblicos, gregos ou latinos. Os pais podiam ser uns analfas em tamanho natural, mas, por trás deles, na hora do batizado, estava a cultura clássica. Hoje? Músicos que não am de dois acordes e atores de filmes de gente com cérebro de galinha para espectadores com cérebro de minhoca. Mas uma coisa não mudou: muitos pais continuam dando nomes ridículos aos filhos. Espero que Freud explique.
Eu só escrevo, profe
Esses dias, numa escola, uma professora me apontou para os alunos e disse quase como uma vingança: "Viram? Ele também faz produção textual como a gente". Eu, covardemente, não neguei.
Concisão
Uma das coisas em que todos os escritores, ou entendidos em literatura, martelam é: um texto tem de ser conciso. Não podemos desperdiçar palavras. Então me digam: por que os educadores encarnaram nesse negócio de "fazer uma produção textual"? Quatro palavras pra dizer escrever. Por trás disso, talvez esteja aquele mesmo espírito demoníaco que leva um dentista a se autodenominar odontólogo. Ou, como vi num programa político, um candidato a vereador engrossar o currículo - bom pai, esposo amantíssimo, dono de armazém - com um dado a meu ver impagável: bochófilo.
Ecos da Jornada
oOo Aviso urgente do Sérgio Fantini: Flávio Paiva está em Porto Alegre, fale com ele. Não deu, na correria que antecedeu a viagem. Em o Fundo, encontrei o autor de "A Festa do Saci" na primeira noite. Contei pro Fantini que ele estava lá com os filhos e tudo. Comentário do Fantini: na próxima encarnação, quero ser filho do Paiva.
Flávio Paiva falou sobre uma coisa que me preocupa muito, "Consumismo e criança", mas, por problemas de horário, não pude ir à palestra. Nem tive chance de falar direito com ele. É uma pena.
oOo Guillermo Arriaga disse que escreveu o roteiro de "Babel" sem conhecer o Japão e o Marrocos. A adolescente japonesa foi inspirada na filha dele e os pastores marroquinos, em pastores mexicanos. Ele acha que o cerne humano é o mesmo em toda parte.
Comentando isso, o Bráulio Tavares disse que se notaria o México no Japão e no Marrocos se não fossem os talentos do roteirista e do diretor. Eles mentiram com tal arte que nos engambelaram direitinho. Eu me lembrei de uma escritora sa - não adianta, esqueci o nome - que escreveu um elogiado romance sobre uma família alemã. Numa entrevista, perguntaram para ela como uma sa que nunca tinha ido à Alemanha conhecia tão bem essa gente. Ela disse que no prédio onde morava viveu um tempo uma família alemã. Uma tarde, voltando do super, viu a porta do apartamento aberta e deu uma espiada.
Ecos da Feira do Livro
Tive uma atividade no cais do porto com cinco turmas do primeiro grau. As crianças tinham lido os livros e estavam animadas, tanto que a caminho da Arena das Histórias haviam parado todos os barbudos pra saber se era o degas aqui. Olha, cansei de ir a feiras em que há de tudo, de capoeira a gincana, menos livros e leitores. A diferença, em Porto Alegre, se chama Sônia Zanchetta. Enfim, acho que o Lula devia investir em clonagem. Com uma Sônia em cada escola esse país ia tomar jeito ligeirinho.