A tecnologia imita a vida ou a vida imita a tecnologia?

Por Elis Rann

Historicamente ouvimos a frase: "o cinema imita a vida ou a vida imita o cinema?", que significa que existe uma simbiose e uma relação bidirecional entre a vida e a arte. E se pararmos para fazer a mesma analogia com a tecnologia, especialmente com a IA - Inteligência artificial?

É uma reflexão complexa pois a tecnologia é moldada para ser parte da experiência humana, capturando imagens, experiências, situações, emoções e sentimentos que encontramos na vida real.

E nesse contexto temos que analisar a relação cada vez mais íntima da sociedade com os aplicativos e com as redes sociais. Por princípio, toda essa tecnologia deveria nos auxiliar e não nos dominar!

As pessoas prestam atenção e estão satisfeitas com o dinamismo da internet e seus pontos positivos! É inegável que hoje em dia tudo é mais fácil, a vida é mais fácil com a tecnologia! Com o celular nos comunicamos instantaneamente com familiares, amigos e realizamos até uma compra através de aplicativos de mensagem. Pelas redes sociais podemos saber o que está acontecendo no mundo, no estado, na nossa cidade ou até mesmo na vida de outra pessoa.

Mas a internet, os aplicativos e as redes sociais também nos "roubam" o tempo, nos tornam mais individualistas, egoístas, nos am informações falsas estrategicamente pensadas para nos enganar e, em alguns casos, nos fazem vítimas de crimes cibernéticos.

As pesquisas comportamentais realizadas pelo IPO - Instituto Pesquisas de Opinião mostram que a influência da internet e da tecnologia pode variar de acordo com idade, classe social e profissão. Ela prejudica o desenvolvimento cognitivo e social das crianças, diminui a capacidade de aprendizado e tira a autoridade do professor.

Mas chamo a atenção para a precarização de nossas crenças e valores, de nossas referências, da nossa origem. Duas ou três décadas atrás, uma adolescente se inspirava em sua rede de relações, tinha o exemplo da prima que não foi bem sucedida, analisava a trajetória de uma vizinha. Trocava ideias e sonhos com as amigas, tinha muita influência de sua família e prestava muita atenção em colegas e professores. As escolhas eram mais fáceis, tanto pelos exemplos mais próximos e factíveis da realidade quanto pelo nível de informação, que se ampliava com a experiência e a maturidade. Os jovens sabiam que, para crescer, tinham que subir degrau a degrau.

Agora não! A instantaneidade propiciada pela tecnologia acelerou a vida dos jovens, com vários influenciadores digitais de referência, muitas opções de escolha e muita informação. Estes adolescentes observam o mundo a partir da janela da tecnologia e ficam "sem chão", vivem baseados na "aparência" do mundo virtual e têm dificuldade para entender a essência do mundo real em que vivem com sua família! Querem tudo e se frustram com muita facilidade quando algo dá errado. Não é à toa que temos visto a ampliação contínua dos indicadores de ansiedade e de saúde mental.

Com o avanço da inteligência artificial, teremos ainda mais desafios pela frente e dificuldade até para decifrar um vídeo real de um vídeo fake! Temos que usufruir da tecnologia com criticidade, consciência e muito diálogo no mundo real.

Autor
Elis Rann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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