A polícia apresenta suas armas

Não quero me render às evidências. Às vezes, hesito. E resisto agarrada aos conceitos, ensinamentos, teses e dogmas do meu ado recente. Seria muito …

Não quero me render às evidências. Às vezes, hesito. E resisto agarrada aos conceitos, ensinamentos, teses e dogmas do meu ado recente. Seria muito constrangedor gritar aos quatro ventos (ah, isso é velho!) que ainda temos tanto o que aprender com os adolescentes, suas teorias, seus blogs, os twitters e a lista interminável de situações que se permitem conhecer. Mas, está na hora de pais e mães responsáveis escutarem um pouco os conselhos de seus filhos. Não estou, vejam bem, defendendo que sigam as orientações. Apenas permitam-se ouvir.
A minha filha Gabriela Martins Trezzi é dona de muitas teorias. Antes de continuar, explico que se eu ar a usar, a partir de agora, somente o seu primeiro nome, é para poupá-la. Sim, ela assustou-se, dia destes, ao encontrar no Google um número surpreendente de citações de seu nome. Do alto da sabedoria de quase 15 anos, Gabriela sempre tem conselhos para quase tudo e, se duvidar, casos para comprovar a eficácia. Quando eu saio, diz alguma coisa. E se não saio, me a um pito suave. E assim, vamos vivendo de amor.
No sábado, 15 de agosto, Gabriela disse algo. Antes de ir para uma manifestação pacífica que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado realizaria, em frente à Escola da Ajuris, onde o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, seria palestrante, ela insinuou para eu ter cuidado. Diante da manhã ensolarada, pedi emprestado um dos seus óculos de sol porque perdi o meu não sei aonde. De boa índole, buscou os dois mais modernos. Como optei pelo mais caro, disparou: "vai com o outro, porque se a polícia te bater?"
Manifestação pacífica. Sem armas. Com a nossa voz e os banners, que viajam pelo Brasil de tão lindos, com as caras dos ministros que votaram, no dia 17 de junho, pelo fim de obrigatoriedade do diploma para profissão de jornalismo. Algumas palavras de ordem, poucos, mas representativos jornalistas atenderam ao chamado e o tradicional megafone. Estava esquecendo. Munidos de canetas, blocos, gravadores e máquinas digitais. São armas instrumentos de trabalho. E correu tudo bem, exceto a ironia do Gilmar Mendes acenando para nós.
Dias depois, a morte de um trabalhador sem-terra, assassinado pelas costas, por alguém da Brigada Militar (BM), durante a desocupação na Fazenda Southall, em São Gabriel. A BM montou no local, no dia 21 de agosto, um forte aparato policial para dominar os manifestantes, com choque elétrico, cavalos e cachorros. As informações são de que o número de sem-terras no acampamento era de 270 trabalhadores (homens, mulheres e crianças). Com as suas ferramentas de trabalho. E 232 policiais com armas letais.
Talvez Gabriela fique mais preocupada agora. Afinal, existe um novo jeito de governar que orienta a BM a agir com truculência. Foi assim no jogo Grêmio versus Cruzeiro, no Olímpico, com cenas lamentáveis de cavalos montados por brigadianos esmagando torcedores. Foi assim na manifestação do ers/Sindicato, na frente da casa milionária da governadora Yeda Crusius, em que a BM prendeu um repórter-fotográfico no exercício da profissão. E mais uma vez foi assim na Fazenda Southall. Um morto e vários feridos.
A Polícia apresenta suas armas. O governo apresenta suas armas. E o espanto está nos olhos de quem vê o grande monstro a se criar. E a liberdade cai por terra. Cada vez mais atual a música "Selvagem/Polícia", do Titãs, "dizem que ela existe pra ajudar, dizem que ela existe pra proteger, eu sei que ela pode te parar, eu sei que ela pode te prender".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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