A mulher japonesa

O príncipe Naruhito visita o Brasil para marcar os 100 anos da imigração japonesa. Não trouxe a mulher, a princesa Masako, porque ela sofre …

O príncipe Naruhito visita o Brasil para marcar os 100 anos da imigração japonesa. Não trouxe a mulher, a princesa Masako, porque ela sofre de depressão que a mantém afastada dos compromissos oficiais do marido.


A vida de Masako é uma síntese da história da mulher japonesa. Por mais emancipação que o pós-guerra tenha lhe trazido, prevalece o padrão social imposto ao tempo dos xóguns e dos samurais.


Filha de diplomata, com fluência em cinco idiomas, Bachelor of Art por Harvard, tese (efeitos do preço do petróleo e das taxas de câmbio na economia japonesa) aprovada com "summa cum laude", ela própria diplomata de carreira convivendo com estadistas de envergadura mundial, entre eles Bill Clinton e Bóris Yeltsin, tudo teve de renunciar quando se apaixonou e casou com Naruhito.


A vida da nobreza nipônica é muito diferente da nobreza britânica. Sem nada que os assemelhe aos Windsor, não há como prosperar Lady Di naquele palácio. Tidos por descendentes dos deuses que criaram o Japão, seus membros vivem em uma redoma onde podem ser irados e amados por todo o povo, mas não podem ser tocados - sequer mirados nos olhos.


Transplantada para essa prisão dourada, Masako tem sobre seus ombros outro fardo: dar um filho homem a Naruhito, o que ela não consegue. Um aborto precedeu, entre as tentativas do casal, o nascimento de uma menina, Aiko, hoje com seis para sete anos de idade.


Alguns esforços foram feitos ultimamente mudar a lei que reserva aos homens o privilégio de ascender ao "Trono do Crisântemo". Foi em vão. O mais curioso, entretanto, é que, nos tempos primitivos, as mulheres japonesas tinham os mesmos direitos e poderes que os homens. No início da monarquia, seis imperatrizes governaram a nação.


Segundo textos da época, até mesmo a liberdade sexual não excluía as mulheres e há registros indicando que suplantavam os homens na prática do adultério. Crônicas deixadas por uma dama, Sei Shonagon, descrevem um jovem apaixonado, interrompendo a carta que escrevia à namorada, para gozar momentos agradáveis com outra moça que ava por ali.


A senhora Sei Shonagon conclui: "Eu desejaria saber se o mensageiro hesitou em entregar esta carta à destinatária, por vê-la também com um hóspede ocasional"?


Com a ascensão dos xóguns e dos samurais, tudo mudou. A sociedade japonesa tornou-se predominantemente  masculina, e o dogma da sujeição feminina foi imposto. Forjou-se um sistema de características especiais em que a família era o universo do indivíduo. Ele não contava no mundo, a não ser como parte dela. Sua liberdade era concessão do chefe de família, que tinha poder total sobre todos os membros do clã. Podia expulsar o genro ou a nora e conservar consigo os netos. Podia matar a filha que tivesse cometido falta grave, segundo seu próprio critério, e podia também vendê-la como escrava ou prostituta, o que, aliás, só acontecia nas classes mais baixas, para fugir à pobreza.


Aos homens tudo ou a ser permitido: a bebida, o adultério? Eles podiam ter tantas amantes quantas pudessem sustentar. Para se divorciarem, não precisavam de motivo - apenas pronunciavam uma palavra e a separação se consumava. Tal estado de coisas impediu a penetração do cristianismo no século 16, pois os japoneses se queixavam de que os catequistas perturbavam a paz das famílias, insinuando que o adultério masculino era pecado.


Quando os xóguns e os samurais impam a nova ordem no Japão, a mulher tornou-se um objeto dentro do contexto familiar, sem nenhuma perspectiva de emancipação. Era seu dever cultivar três obediências, nesta ordem: ao pai, ao marido e aos filhos do sexo masculino. Proibida até de se queixar, era uma honra servir ao homem e senhor.


Um filósofo aconselhou os maridos a se divorciar das mulheres que falassem muito ou falassem muito alto. Mas se o marido fosse grosseirão, violento e dissoluto, que bebesse, prevaricasse e espancasse a esposa, o filósofo ordenava à mulher que o tratasse com redobrada bondade e gentileza. Assim sufocada, a mulher japonesa tornou-se humilde, trabalhadeira, limpa, fiel e obediente, apontada como modelo em todos os quadrantes do mundo.


Ao menos, até o momento em que as feministas decidiram chutar o balde.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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