A morte de peruca
Então, é isso: no fim, o que ficou foi um corpo necropsiado, embalsamado. E de peruca e devidamente maquiado. Além, claro, do caixão folheado …
Então, é isso: no fim, o que ficou foi um corpo necropsiado, embalsamado. E de peruca e devidamente maquiado. Além, claro, do caixão folheado a ouro, detalhe da pompa do funeral íntimo que a família, muiiiiiito religiosa e despojada como requer a religião que abraçou, justificou como despesa necessária para um sujeito extraordinário etc e tal. Fico elocubrando se alguém lembrou de fazer uma máscara mortuária (saiu isso em algum lugar? Não li, não ouvi, não vi?) em especial do nariz do ilustre morto que ainda esta semana vi dançando num dos clipes que mais amo, o Thriller. Um feio MJ, já com cabelo sem pixaim, o nariz devidamente afinado, mas com a dignidade da cor ainda mantida.
O que mais me cutuca as ideias, porém, nesta retomada do assunto, é a história da peruca. Imagino o morto descorado, esquálido, quase sem nariz, a boca retalhada e refeita como o sorriso do Coringa, as articulações castigadas por tanto moonwalk, quem sabe um escaravelho de diamante em lugar do coração, o cérebro cuidadosamente retirado para pesquisas posteriores e a prosaica careca que a máquina do legista foi criando onde antes havia cachos e tinta preta.
Ficou no morgue (sim, eu sei que é necrotério, mas gostei da modinha dos jornais brasileiros na tradução e entrei na onda) todo este tempo, desde a cerimônia pública de homenagem que continuo assando meus dedos se o corpo estava presente mesmo, e com certeza, assim, frágil, pelado, sem um delineador, um batonzinho. E careca!
Penso em Liz Taylor, beleza destroçada pelas doenças, pelo tempo, pelo trago, pela tristeza, toda emperucada há tanto tempo e se não foi dela a sugestão de enterrar MJ com peruca. Que, certamente, não deve ser uma coisa sintética qualquer e sim algo com cabelos da melhor qualidade.
Há muitos, muitos anos, quando o Brasil foi atingido pelo tsunami do cabelo falso, cometi o deslize de dar, de aniversário, para minha mãe, uma peruca. Detalhe: dona Luci era e é do tipo que vai ao cabeleireiro e, assim que chega em casa, mete a escova e faz tudo à moda dela. Então se imagine a cena de minha pobre mãe recebendo a caixa com a peruca de fio sintético loiro escuro, com um crespo graúdo que era muito moda então e que finalizava em delicados cachinhos na nuca.
Pois o presente ficou guardado até que, um dia, um primo casou numa cerimônia hippie chic, a noiva de microvestido, ele de terno boca de sino azul-clarinho, cabeludo e tal, e eu me fui ao casamento de minivestido op - art branco e preto, brincos idem e, complemento final, a peruca. Se fiz sucesso? Quem não faz, de coxas de fora, com 54 quilos e menos de 20 anos de idade? Tirando o detalhe do delineador de plástico que, no final da festa, começou a descolar, foi um arraso.
Por isso, entendo esta preocupação da religiosa família de Michael Jackson em emperucar o morto. Se até Chico Xavier, tão pobrezinho e modesto, que sabia que era feio de dar dó, usava aquela tapadeira franjada para esconder a careca não seria eu a criticar o pobrezinho do desbotado que se foi.
E arrisco um palpite: não demora, e os manos, as manas e os amoráveis pais do morto vão anunciar que o mausoléu vai inaugurar uma vitrina à prova de bala exibindo MJ tal qual Branca de Neve esperou por seu príncipe na floresta em seu esquife de cristal. Aí poderemos ver como ficou o make up e o penteado com que o cantor se preparou para virar ídolo eterno.
Por minha vez, começo a pensar seriamente em pedir, em definitivo, a peruca que minha mãe guarda por educação e deboche, para já ir bolando meu personagem final.