À mesa com Maigret II
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"Não leio ficção contemporânea - com exceção
dos contos de Simenon com o Inspetor Maigret."
T. S. Eliot.
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Era cedo da manhã, quando o Comissário Maigret abriu a janela do apartamento no Boulevard Richard-Lenoir e aspirou o ar de quase-primavera. Como sempre acontecia nos idos de março, Paris tivera uma semana de inverno, com tempestades e chuvas. Felizmente, os jornais anunciavam que naquele ano, a primavera começaria mais cedo. Era agradável ver o sol brilhar na fachada amarelada dos prédios, enquanto na rua pessoas vestiam roupas leves em lugar de sobretudos e cachecóis.
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Jules Maigret se imaginou flanando pelos boulevards, sentindo os perfumes das manhãs parisienses, de café-au-lait e croissants quentes. Então olhou para a mesa coberta por documentos e dossiers enviados pelo Quai. Suspirou e acendeu seu primeiro cachimbo do dia - seu preferido. Madame Maigret apareceu na porta da cozinha. Vestia uma blusa de algodão estampada com pequenas flores:
"- Qual é o problema?"
Maigret sentiu os cheiros que vinham da cozinha. E, ao invés de responder, quis saber:
"- O que há para o almoço?
"- Morue a la Crème", respondeu Madame Maigret.
Ela sabia ser um dos pratos favoritos do marido e voltou sorrindo para a cozinha. O Comissário abriu o dossier do caso do assalto à joalheria do Boulevard des Capucines. O que começara com um rotineiro roubo de jóias, era agora um caso de homicídio, pois o joalheiro internado no Hospital Saint-Louis estava morto. Enquanto isso, o polonês Antoni Vonick continuava à solta pelas ruas de Paris, depois de despistar Lucas e Lapointe.
Maigret odiava papelada. O único trabalho a que ele se esquivava era escrever relatórios. Mas se obrigou a rear os papéis mais uma vez, atrás de uma pista que provasse a culpa do polonês. Então, ao ler o depoimento do porteiro da Place Pigalle que dissera que Vonick ara a tarde com uma dançarina do Folies Bergère, lembrou de um genovês conhecido por prestar falso testemunho. Remexeu a papelada até achar o nome: Enrico Matteo, um malandro que jurava qualquer coisa, desde que bem pago.
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No instante em que pegou o telefone para mandar prender o genovês, Madame Maigret emergiu da cozinha trazendo uma travessa fumegante com o Morue a la Crème. Era uma receita portuguesa que ela preparava à sua maneira, com parmesão, alho, cebolas refogadas, noz moscada, cravo da Índia, louro e muito azeite virgem.
E na mesa, uma surpresa o aguardava - um Saint-Emilion, o vinho que Maigret sempre pedia quando saiam para jantar. Ele largou a papelada, sentou-se à mesa, serviu o vinho e dedicou sua atenção à posta de bacalhau à sua frente. Pensou: o caso estava resolvido e o polonês podia esperar até amanhã.
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