A menos pior

Uma qualidade contemporânea, um conceito que revela a nossa baixa-estima: o menos pior. Hipnotizada em sua obsessão por emagrecer em uma semana, decisão tomada …

Uma qualidade contemporânea, um conceito que revela a nossa baixa-estima: o menos pior. Hipnotizada em sua obsessão por emagrecer em uma semana, decisão tomada fazia apenas algumas horas, Fu Lana ouvia rádio em seu celular. Saiu de sua imersão automática com a vinheta: Rádio tal, a menos pior. Ops. Desde quando isso seria um elogio? Afinal, hoje, a gente se contenta com o não tão ruim, jamais almejaríamos uma boa opção, e estamos muito longe de querer a melhor. É uma situação no mínimo contraditória. Em uma camiseta do hardcore lembrou de ter lido: contraditória condição. De que forma poderia querer o melhor, se ele não existe? E, pensando bem, ninguém merece o melhor. E mesmo que queira ou mereça, não consegue. Hoje, a máxima é: quem tem competência, sobrevive. Fu caiu em depressão.


As pessoas estão querendo cada vez menos e se contentando com praticamente nada. Conformadas, apagadas, consumindo menos, viajando menos. Claro, pensava em pessoas normais, pobres mortais e não em personagens míticos, cada vez mais escassos. O personagem mais comum, nowadays, é o anti-herói. Nos anos 60, apresentar um anti-herói era tratar da exceção, do que era contracultura, contra o status quo. Anti-heróis hoje existem milhares debaixo de cada pedra, um atrás de cada face. O indivíduo identificou-se com a parte sofredora da humanidade. E, se para o anti-herói estava bem estar sem dinheiro, beber ou bater nas mulheres ou ainda gazear aula, ou trabalhar pela revolução, hoje torna-se difícil sair desse jargão.


Qualquer pessoa média sente-se um anti-herói. O contraponto agora, a exceção, o inalcançável, inimaginável, é o melhor. O melhor da Copa poderá ser um anti-herói, porque todos somos o menos pior.


Outro dia, hablando com um hermano do hardcore (sempre o hardcore), o cara dizia: "Tenho uma expectativa de seis meses, depois a gente pensa no depois. Não vê aí a Varig, por exemplo? Uma porrada de gente que investiu a vida toda e o sistema faliu. De repente, em dez anos, o mundo pode falir".  É o pensamento hecatômbico. Pensava-se assim à época da Segunda Guerra, quando o futuro estava ameaçado, quando os jovens optaram por viver o máximo antes de envelhecer. De preferência "viajando", porque a realidade estava muito pior. Eles queriam o melhor. Hoje, aceitamos viver sob as regras da sociedade que modificou nosso querer. E aceitamos, felizes, o menos pior. Sabemos que as notas no colégio não serão as melhores e não podem ser as piores. A opção não fica nem no meio, mas, sim, na menos pior. A opção para sair em férias pode não ser a ideal e estamos longe de poder pagar a segunda opção, então viajamos de menos pior. Da roupa sabemos que existem milhares melhores, porém podemos pagar a menos pior. O filme menos pior, o voto menos pior.


Ser a menos pior para aquela rádio, além de uma ironia, foi um sinal de que os caras estão ligados. Quando se pega uma informação massificada sobre algo e, com um bisturi, destaca-se essa ação colocando-a sozinha para ser analisada, isto é muito in.


Fu Lana gostaria de fazer isso com o menos pior. É mais um tema que escolhe para colocar em suas promessas de tese. Ela que já quis ser filósofa, coreógrafa, bailarina, artista, jornalista e, agora, o menos pior, consegue escrever um textinho mais-ou-menos. O menos pior ganha porque as opções estão cada vez piores. Os gráficos estão de cabeça para baixo. Contentar-se em ser o menos pior é o mérito. Perdemos os parâmetros. Há quem acredite que daqui a algumas gerações, o mundo vai novamente encontrar o seu ideal.

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