A longa jornada
Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Nós lutamos tanto contra pequenas
coisas que nos tornamos pequenos".
Eugene O'Neill.
Aconteceu no tempo em que tentávamos fazer teatro de verdade na nossa provinciana Porto Alegre. Tínhamos um inspirador e guru, o Antônio Abujamra, que batalhava para levar grandes autores ao palco do Instituto de Belas Artes. Naqueles dias e para aqueles sonhadores, tudo era possível. Mas quando Abujamra avisou que íamos encenar "A Longa Jornada Noite Adentro" de Eugene O'Neill, nos entreolhamos, sem saber o que dizer.
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A ousadia daqueles jovens já havia sido testada com "Huis Clos", de Jean Paul Sartre. Na estréia, uma seleta, mas diminuta platéia aplaudiu de pé, o que nos permitiu uma grande, mas efêmera alegria, já que Sartre logo saiu de cena, por absoluta falta de público. Mas era preciso mais para desanimar aquelas moças e rapazes que sonhavam com as luzes dos palcos. Lembro que um de nós colou estrelas douradas nas portas dos camarins do Belas Artes - como se fôssemos atrizes e atores de verdade. Quando da primeira leitura da "Longa Jornada", Antônio Abujamra nos injetou mais entusiasmo, recitando com seu vozeirão falas marcantes de "A Longa Jornada":
"Somos ao mesmo tempo culpados e inocentes,
amando e odiando uns aos outros,
perdoando, mas incapazes de esquecer."
Para arrematar, contou da estréia da peça na Broadway, onde causou forte impacto nas platéias que, comovidas às lágrimas, aplaudiram de pé. O sucesso repercutiu e Eugene O'Neill recebeu mais atenção como nunca em vida e apagando a fama de autor das "sagas dos malditos". O mais intrigante é que em "A Longa Jornada Noite Adentro" não existem os ingredientes típicos dos sucessos da Broadway. Bem ao contrário, expõe os traumas e tragédias da sombria infância e juventude do autor.
Em 1941, antes de falecer, Eugene O'Neill entrega à esposa os originais da peça, dizendo que fora escrita com "com lágrimas e sangue", mas que lhe dera forças para encarar seus fantasmas interiores com compreensão, piedade e perdão. E pediu que a peça permanecesse inédita por 10 anos após sua morte. Mas, felizmente não foi atendido e, em 1953, Carlotta O'Neill doou os direitos autorais à Universidade de Yale, autorizando que fosse levada ao público. A alegação - precisava do dinheiro para sobreviver. E graças a isso, "Longa Jornada" se tornou um dos grandes clássicos do teatro moderno.
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Enquanto isso, em Porto Alegre, as leituras da peça iam de mal a pior. Recordo vagamente que os candidatos a atores e atrizes não escondiam a carga emocional dos conflitos e tragédias da malfadada família Tyrone. Então, ao cabo de algum tempo, por motivos que não lembro, os planos de encenar O'Neil foram adiados e sua jornada não aconteceu.
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Em um certo dia, alguns - muitos - anos mais tarde, limpando gavetas, encontro uma amarelada cópia de "A Longa Jornada...", com uma anotação anônima:
"Não existe nem presente nem futuro -
apenas o ado, acontecendo
agora e sempre se repetindo."
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