A inveja

Por Fernando Phulmann

"A única coisa mais perigosa que a ignorância é a arrogância" 

Albert Eistein

Ele sempre fora um artista. 

Mauro tinha 48 anos, morava em um apartamento na Rua da República que comprara financiado no banco onde trabalhava, o Banco do Estado. Era assim que a mãe falava quando as amigas do interior perguntavam onde ele trabalhava na Capital. 

- Maurinho é concursado do Banco do Estado- dizia com um sorriso.

Ele saíra da cidade natal para tentar a vida em Porto Alegre, sonhava em chegar a Paris, expor na Galeria Dalí, ficar famoso e viver de arte. Acabara ando em um concurso interno (meio arranjado pelo padrinho) no Banrisul e trabalhava na Agência Central.

Não desistira do sonho, conhecia o seu talento, uma vez fizera uma série, fotografara e mandara para o setor cultural do banco solicitando para expor no saguão da sede central. Nunca obtivera resposta, mas sabia que era inveja de algum colega ou do subgerente, que não gostava dele, que tinha travado o seu momento.

Desenhara suas musas e dera a elas os retratos em tinta, nunca soube de nenhum exposto na sala da casa das mesmas, mas entendia que as obras eram tão especiais que elas deviam guardar em lugares privados de olhos invejosos.

Seu maior ídolo era Michelangelo, sua grande referência e inspiração. Em alguns momentos, enquanto pintava, tinha a impressão de incorporar o mesmo, as imagens que saiam do seu pincel eram tão iguais ao do Grande Mestre, que ele chegava a duvidar que fora ele mesmo que produzira.

No quartinho de serviço, do pequeno apartamento que morava, ele fez seu ateliê, ninguém entrava ali enquanto ele estivesse produzindo e a obra não estivesse pronta. Era sua lei.

Morava sozinho, não tinha muitos amigos e não recebia visitas, então não era muito difícil ter esse tipo de privacidade, porém uma noite ele acordou com um barulho em casa. Levantou. No corredor se deu conta que alguém havia invadido o seu ateliê. Pensou em pegar a faca do pão que estava sobre a mesa, mas desistiu, podia ser que na luta corporal acabasse esfaqueando alguma das suas obras primas. Pé ante pé entrou na cozinha e de lá ou a dependência de empregada, ou o seu ateliê, como preferirem.

No centro do quarto um homem baixo, cabelos crespos, barba longa e com um chapéu estranho.

Entre assustado e incrédulo ele balbuciou: - Boa noite.

O homem virou. Era ele. Em carne e osso, se assim pode-se dizer dos espíritos: - Boa noite. Vós tanto me chamastes que eu vim.

- Como assim, eu nunca te chamei.

- Como não? A cada pincelada que tu davas, tu olhavas para tela e repetia: Oh Michelangelo!

- Sim, mas não era te chamando, era imaginando o quanto nossas obras são parecidas. Não achas?

- Não.

- Como assim não? Tu és a minha referência. Sempre te irei.

- Hitler também me irava e nem por isso eu considero a obra dele parecida com a minha.

- Tá, mas o que tu achou do que tu viu?

- Ruim.

- Como ruim? Eu sou um artista raro. Tu que não sabes enxergar a arte ou sente inveja do que vê.

A risada ecoou pelo quarto apertado tão alto que ele chegou a fechar os olhos.

Acordou poucas horas depois, deitado em sua cama. Procurou Michelangelo pela casa toda, só o encontrou na capa de um livro que estava lendo um pouco antes de dormir.

Naquele dia chegou na agência e foi até a mesa do Paulo, único amigo que não tinha inveja dele e reconhecia o seu talento. Colocou em cima dela o livro com o Mestre na capa e disse: É teu.

- Como assim? Tu compraste ontem, estavas todo empolgado que irias conhecer mais profundamente a obra do teu Mestre.

- Sempre me disseram que não devíamos conhecer nossos ídolos. A inveja é uma M.

Autor
Sócio-cofundador da Cuentos y Circo, Puhlmann é um dos principais especialistas em YouTube do país, com um olhar focado em possibilidades de faturamento na plataforma e uma larga experiência em relacionamento com grandes marcas do mercado de entretenimento. Além de diretor de Novos Negócios da CyC, tem também no seu currículo vários canais no país, entre eles o do escritor Augusto Cury, do Gov Eduardo Leite, Natália Beauty e do Grêmio FBPA, sempre atuando como responsável pela estratégia de crescimento orgânico dos canais. Já realizou palestras sobre a nova Comunicação juntamente com diretores do YouTube Brasil como a abertura do 28º SET Universitário da Famecos-PUCRS, o YouPIX/SP e o Workshop YouTube Gaming Porto Alegre. Desde 2013, Puhlmann ministra cursos, seminários e oficinas sobre YouTube, tendo mentorado mais de 30 canais nos últimos anos.

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