A Estranha ? III

Delegada da Polícia Federal! Aquela mulher que se inventou como Regina Pádua Ramos e estudiosa do comportamento humano acabou dizendo-se delegada da Polícia Federal. …

Delegada da Polícia Federal!


Aquela mulher que se inventou como Regina Pádua Ramos e estudiosa do comportamento humano acabou dizendo-se delegada da Polícia Federal. Estranha essa identificação, incomum em policiais. Se ela mentira a primeira vez, por que não a segunda? Se verdadeira agora, qual é o motivo daquela abordagem tão simulada para com o rapaz da outra  mesa, o tal de Milton? Será mesmo Milton o nome dele?


Minha obsessão enredara-se num universo de verdades, de mentiras ou, ainda, de mentiras e verdades.


Quando, aos 17 anos, entrei para o Jornalismo, meu primeiro estágio foi na seção policial,  depois na Geral, depois na Economia e, também, editor e editorialista. Há três anos, ei a Diretor de Redação.


Nessa trajetória, o que ficou encarnado no profissional como uma segunda pele foi o repórter. E um repórter que se preza vai até o fim da matéria, seja ela uma investigação ou não.


O imprevisto - um acontecimento insólito - dirigira-se à pessoa, ao homem, e tornara-se obsessão. Estava muito difícil conviver com aquele dualismo no qual o apelo ao macho defrontava-se com  o mistério. Obriguei-me a acordar o repórter adormecido.  


Meu temperamento sempre foi de uma pessoa de ação, ou seja, tomar decisões rápidas e agir em seguida. A ação é o meu combustível existencial e profissional.


Esse permanente sentimento de urgência explica como, três dias depois de conversar com um repórter do setor policial, um desenhista da Polícia, na minha sala no jornal, fazia o retrato falado da delegada, ou da pessoa que se dizia delegada. Ao término, um excelente trabalho, minha obsessão ganhara um rosto no papel! A grande novidade - por não se tratar de uso em jornal -, disse-me o desenhista, foi o retrato falado a cores. Lá estava aquele par de olhos de gata e aqueles cabelos que se mesclavam entre o castanho claro e o loiro. O técnico, meio surpreso, não conseguiu esconder sua iração pela beleza que acabara de desenhar.


Não sou bom de mentiras, mas a situação exigia. Um conhecimento casual, ela na minha frente em fila de supermercado, a referência à profissão e o esquecimento de um chaveiro com muitas chaves foram a mentira-pretexto. Ela devia morar na vizinhança do supermercado, pois não havia nenhuma chave de carro. Isso foi o suficiente para acionar meu amigo Márcio, com o acréscimo malicioso de que aquela mulher merecia infinitas buscas. Márcio é da Polícia Federal e, ao ver o retrato, excedeu-se num longo assobio de iração.


Dias depois, com o pedido do sigilo normal em operações em andamento, o retrato percorria, num site secreto, as delegacias brasileiras da Polícia Federal. Claro que se ela fosse mesmo delegada, seria a primeira a responder ao pedido do Márcio. 


Alea jacta est, aventurou-se Júlio César, the game is a foot, repetia Sherlock Holmes, les dês sont jetés,  dizem os ses. A mim, calado, cabia esperar.


O que não me cabia e me surpreendeu foi roer unhas, cacoete descartado ainda adolescente, quando uma namorada, censurando-me, comentou, com graça:


- A Vênus de Milo começou assim.

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

Comments